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sábado, 13 de dezembro de 2014

Cinquenta anos sem a Nona Rosa!

A Nona Rosa está sepultada no Cemitério de Ipuã, desde 13 de dezembro de 1964. Ela foi um misto de bondade e energia que deixou marcas profundas na minha vida. No início da segunda metade do século passado, quando se falava que a pessoa era enérgica, misturava-se o sentido do termo braveza com o de retidão. Minha Nona era uma pessoa enérgica!
Em fevereiro de 1964, quando eu estava com treze anos recém-feitos, nossa família veio de mudança, pra Taguatinga, no Distrito Federal. Na cidadezinha natal, ficaram muitos dos meus entes queridos. Entre eles, a Nona Rosa.
Era uma senhorinha de caráter, que prezava a honra e os bons costumes. E era respeitada até quando precisava chamar alguém da família de volta ao bom senso...
Apesar de ter levado uns bons pitos dela, durante os poucos anos de convivência, eu a respeitava e admirava. Na mesma proporção do meu temor.
Aos dez anos, vesti minha primeira calça comprida e fui, a mando da minha mãe, mostrar minha roupa nova pra Nona Rosa.
Ficou muito bonito, disse minha mãe! Vai lá mostrar pra Nona, depois vai mostrar pra tia Arlinda e pra tia Pina...
Era mesmo um lindo modelo que minha mãe copiou das revistas da moda e costurou, ela mesma! Minha mãe sempre foi muito prendada! O modelito era a grande novidade naquele comecinho dos anos 60! As mulheres se permitiam ser mais ousadas e a moda retratava isso muito bem! Quem diria, mulheres usando calças, imitando homens! Almocei e fui, primeiro, à casa da tia Pina. Ela não gostou. Mas nada falou sobre não gostar. Fez comentários sobre o tempo dela, de moça que trabalhava na roça, e contou que as moças de então usavam calças do tipo que homem usava, mas eram usadas por baixo das saias longas. Era costume. Era vestimenta de proteção contra o sol. Também usavam camisas de mangas compridas e lenço nos cabelos, amarrado sob o queixo, além de chapéu... Mas, assim, mostrando a divisão da bunda, as moças do tempo dela não usavam, não...
Ou seja, fez uma ressalva brava - dissimulada como se fosse um comentário velado - mas uma ressalva explícita para a mocinha que começava a entender das coisas do mundo...
Saí da casa da tia Pina e fui pra casa da Nona, toda importante, ainda me sentindo moderna e chique... Levei um baita susto; e só não apanhei porque fui esperta e saí correndo. Mas, mesmo de longe, ouvia a Nona, aos gritos:
- Fala pra sua mãe que ela vem aqui!!!! Onde já se viu? Na nossa famia num tem moça desfrutável! E vai tirar essa carcinha, sua indecente! Isso é roupa de homem! E vem de novo, vorta aqui sem essa poca vergonha, ou eu corto essa carçola na tesoura!
Foi um escarcéu! A Nona pôs a família em polvorosa! Contou pra todo mundo que apareceu na casa dela, nos próximos meses. Vi essa história sendo contada, de muitas maneiras, por muito tempo. Nunca achei graça!
Eu sabia bem que a Nona era muito brava, pois eram muitas as histórias que comprovavam isso.
Hoje, Nona, depois de passados cinquenta anos, depois de ter assistido a tantas mudanças de costumes, eu a entendo, perfeitamente. Era um tempo de cuidados com a reputação. Os mais velhos tinham a obrigação de evidenciar o entendimento do mundo para os seus descendentes, para prevenir excessos.
Muita coisa mudou! Muitos têm falhado neste propósito!
Sei, no entanto, Nona Rosa, que entendi e pratico o significado do seu o recado. Cabe a nós passar aos nossos descendentes o sentido da vida. Vestindo saias, ou calças, não importa mais... O que importa - e eu mantenho dentro de mim - é o respeito que devemos ao legado dos que nos antecederam, à base da simplicidade, do trabalho, da retidão e do amor à família...
Lembro-me que, daqui do DF, só soubemos da sua morte uma semana após ter acontecido. E era um sábado. E que foi um dia muito chuvoso. E, além de rezar pela sua alma, eu também exercitei – bastante – a minha memória fotográfica, tentando resguardar no coração e na mente as cenas vividas ao seu lado.
Minha homenagem e agradecimento são constantes, mas, hoje, têm um misto de saudade e alegria. Alegria porque a figura matriarcal pulso firme que a senhora representa, na memória da família, é padrão que vejo repetir-se nas netas, nas bisnetas, nas trinetas, nas tetranetas... e vai seguir sendo multiplicada pelas gerações seguintes...
Desafio, aqui, os homens da família a contestar este legado...

Alguém se habilita?

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