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quinta-feira, 26 de maio de 2016

ERA SÓ UM MORCEGO!


No quarto, com a luz apagada, lanterna de led na mão esquerda, e uma almofada na mão direita, a super vovó enfrenta um morcego.
Ela não está só; a super netinha, com outra almofada em punho, destemida, grita e aponta e aponta e grita; pulando pelo quarto...
O morcego voa em círculos, buscando os cantos das quatro paredes.
Quando se cansa, dependura-se no trilho, sem cortina, esquecido na parede acima da janela do quarto.
À simples menção de levantar a mão com a almofada já provoca o morcego que se lança no ar!
E a super vovó não se cansa de jogar a almofada na direção onde o morcego parecia estar, antes de ter seguido seu rumo.
- Vó, ele já tá lá adiante!
A super netinha, sem paciência, passa a mão na testa, afastando o cabelinho que insiste em cair no rosto, demonstrando ter percebido que a super vó parece não ser tão super assim...
- Ah, se eu pudesse voar, senhor morcego, você ia ver como eu sou terrível!
A super netinha se empolga com a fala da super vó e sobe na cama e grita:
- Vem, senhor morcego, se você tiver coragem!
Num voo rasante, ele passa perto do braço da menininha: parece ter entendido e, desafiador, passa ventando. E continua sua provocação, pois avança na direção do rosto da super vó.
Gritaram as duas ao mesmo tempo!
Pausa para rir...
Ops! O morcego não pode descansar!
Recomeça o balançar de almofadas.
E o animal cretino, o rato voador, vai e vai e vem e vem e vai e vem...
- Acho que acertei!
- Não, vó, num acertou!
- Acertei, sim, pega aí minha almofada; o danado tá ai embaixo!
- Vó, ô vó, alá ele lá descansando...
A vozinha da super neta já parece meio desanimada!
- Não vamos desanimar! Ou você acha que ele é mais inteligente que a gente?
- De jeito nenhum, vó! Se fosse já tinha saído pela janela!
- Viu, rato voador burro, a Juju é muito mais sabida do que você!
- Não é não vovó; você também é sabida, vó!
Sem tempo para agradecer o elogio, a super avó vê o morcego já voando perto do chão, evidenciando ser um rastejante estrategista, e taca-lhe a almofada, novamente! Mas o bicho escapa.
- Deus, ó Deus, até quando? Tomara que esse bicho não faça sujeira no quarto. Porque ele deve estar se borrando de medo de nós duas; a super vovó e a super netinha!
Mais uma tentativa e nada!
E outra e tantas mais...
- Acertei! Foi pá bife!
- Acertou mesmo, vó! Acertou! É goooool!
- Ah, danadinho, morreu, né?
- Eca!!!!
- Fica aí e vigia que vou buscar a pazinha e a vassoura!
- Fico nada! E se ele virar vampiro?
- E se ninguém vigiar e, quando a gente voltar, ele tiver sumido? Você não é a super neta?
- Tou nem aí, vó!
O danadinho ficou lá, no chão do quarto, com uma asa esticada e o resto do corpo paralisado...
Um pé lá e outro cá.
E ele continuava lá! Ufa!
De repente, fez menção de abrir a outra asa e... paf... uma pá certeira na fuça!
E adeus, morcego irritante!
- Ele só tinha desmaiado, vó. Agora, foi prum céu de morcego.
- Já pensou, Juju, se ele, com aquelas asas, for anjo dos ratos?
- Não é não, vó! Ele é só morcego!
Missão cumprida!
Agora, toca escrever a história pra Juju ler pros filhinhos dela, quando ela estiver no futuro. Tem também a história da coruja em cima do armário da cozinha; a cobra rastejando na sala; o saruê sapateando e escorregando na área externa; os dois calangos que morreram afogados na piscina; o sapo que entrou na piscina e não achou a saída; a casa das abelhas no forro da cozinha; o ninho de rolinha; e o ataque dos saguizinhos...

É, vida de super avó e super netinha é mesmo vida muito trabalhosa! Haja almofada!

segunda-feira, 2 de maio de 2016

MEMÓRIA DE IPUÃ

Uma relíquia!

Notícias da minha cidade natal, no ano de 1938.
Este exemplar foi cedido pelo primo dr. Moacir Tazinafo que o recebeu de um amigo.

IPUÃ/ MEMÓRIA

MATÉRIA EXTRAÍDA NA ÍNTEGRA DO JORNAL ‘O BANDEIRANTE’, EDIÇÃO N. 78, DATADA DE 19/ JULHO/ 1938
   “ SANTANA DOS OLHOS D’ÁGUA- Um pouco de sua história p/ D. C. Rangel.”

      Os Batista Teixeira

      O esboço primitivo desta localidade, pensamos, data cerca de um século. E João Batista Teixeira, natural de Caldas, estado de Minas Gerais, foi o primeiro homem branco a plantar junto do “córrego Barreiro“, a sua choupana de desbravador do sertão. A sua intervenção, como era natural, não foi bem recebida pelos indígenas da zona de Ypuã ou Ypu, que eram as denominações que, segundo as notícias da primatividade, os nativos davam a esta região. Contudo, ao lado de seu contraparente Antônio Manso Teixeira, não cedeu às primeiras investidas e artimanhas da tribo dominadora, para algum tempo depois se convencer que duas inteligências e dois homens embora corajosos, não bastavam para vencer os habitantes de gleba e a sua natureza inculta e ameaçadora, e por isso, deixando posse conhecida, voltaram ambos a Minas, de onde vieram, alguns anos depois, João Batista Teixeira Filho, respectiva família e muitos agregados completar o trabalho do velho.

      O casal Carlos Fernandes

      A fama desse sertão foi se tornando conhecida e atraiu para aqui o casal Carlos Fernandes que, adquirindo grande porção da fazenda Barreiro, se localizou também à margem esquerda do “Córrego Barreiro “, que é o lado que a vila se desenvolveu. Homem prático e de certa inteligência tendo como esposa D, Tereza, senhora muito caridosa e católica, tomou Carlos Fernandes a firme deliberação de fazer brotar aqui um povoado sob os auspícios de Nossa Senhora Santana, santa da devoção de D. Tereza .

      A Capela

      Escolhida assim a nossa milagrosa padroeira, o casal Fernandes doou ( em data que não pudemos conseguir ) cerca de cem alqueires de terras à direção católica da Província de São Paulo para a formação do Patrimônio Paroquial e do povoado. Com essa doação, que deve orçar por cerca de noventa anos, surgiu a primeira capela para a oração dos fiéis, o que constituiu um estímulo à nascença do povoamento, onde se aportariam os viajores e novos imigrantes em busca de farturas. E o povoado tomou vulto: sobradões de adobes, de grossos esteios e portais enormes de aroeira, com grades e parapeitos pelos altos das janelas, fizeram época num cordão de linhas irregulares e imponentes como uma pequena cordilheira de pontas vermelhas e fraldas brancas.

       A Paróquia

       Dado o grande passo da doação e da construção da Capela, Carlos Fernandes e outros elementos de importância como o capitão Francisco Marcolino Diniz Junqueira, Plácido Ferreira Lima, Antônio Gomes, Antônio Soares Guimarães, Manoel Ferreira Mendes, Januário Rogério de Moraes, Domiciliano Carlos Nogueira e outros amigos da localidade, conseguiram a criação da Paróquia  e a elevação do povoado a arraial e segundo distrito de subdelegacia da Vila de Espírito Santo de Batatais, comarca de Franca do Imperador.


       O Distrito de Paz
       Com a vinda do Pároco Felipe Ribeiro da Fonseca para dirigir a Paróquia , Santana  ganhou mais um elemento de valor e capaz de orientar  melhor as suas tentativas de progresso. E assim, naturalmente sob orientação mais esclarecida, os incrementadores do desenvolvimento local, conseguiram, a 25 de abril de 1859, fosse o nosso arraial elevado a Distrito de Paz pela Lei n. 23, que o denominou Santana dos Olhos D’Água.   
       Um grande mal
       Infelizmente , cremos que em 1896, umas febres contagiosas e de caráter maligno, interceptaram o progresso que levaria Santana a município, despovoando o nosso território pela morte e pelo êxodo quase completo de seus habitantes.
       O carro do grande mal passou vagarosamente, deixando fama assustadora. E por isso só depois de muito tempo e já sem o entusiasmo da primeira arrancada, é que voltaram a esta terra alguns de seus velhos moradores e novos emigrantes, entre os quais os filhos de Carlos Fernandes- Joaquim e Prudenciano – Inácio Moreira Alves, José Ferreira Borges e Capitão João Garcia de Carvalho ( este falecido há poucos anos ) e que ainda tentaram algo em favor do distrito, sacudindo-lhe a poeira do marasmo em que caíra.
       E foi então que os velhos sobradões já antiquados e em ruínas pelo abandono, escorados apenas pelos esteios de aroeiras impassíveis ao avanço do tempo, foram demolidos e construídas casas mais modernas com a descrição de um alinhamento melhor imaginado.
       O nome desta região
       Como fizemos referência de início, e isto baseados em informações que vêm atravessando o tempo, conforme asseguram descendentes do velho Morais, os selvagens chamavam a esta gleba de Ypuã ou Ypu, enquanto que os primeiros visitantes brancos, chamavam-na Barreiro, devido ao brejão do córrego que ainda conservava este nome. Vindo para aqui o casal Fernandes e sendo D. Tereza devota de Nossa Senhora Santana e fazendo construir a Capela a que nos referimos sob o patrocínio do nome da Santa de sua devoção, ficou o povoado conhecido pela denominação de Santana.   Mais tarde, porém, com a chegada do padre Felipe, fez este com que a Paróquia conservasse o nome da Santa com o acréscimo de Olhos D’Água, isto não só porque existiam muitos olhos d’água que chegavam a formar um pequeno afluente do “Córrego Barreiro”, mas também, ao que supomos, porque a denominação dada pelos indígenas prendia-se a este mesmo fato, isto é, à existência de água que brotava das pedras e da terra, de vez que, segundo afirma o professor João Ribeiro, Y pú ( e possivelmente Ypuã ) correspondeu no guarani à expressão portuguesa olhos d’água, conclusão a que deve ter chegado aquele ilustre pároco naquela época, em que, convém lembrar, era fácil obter dos indígenas  a explicação dos termos por eles empregados. E assim se justifica o fato da lei que criou o Distrito lhe ter dado a denominação de Santana dos Olhos D’Água, convindo notar que o complemento Olhos D’Água, conforme nos reiteramos pelos livros do Cartório de Paz do Distrito, só foi aproveitado a partir de julho de 1885, nas escrituras aqui lavradas. Interessando-nos agora pelo caso, descobrimos que dos relatórios e mapas da organização judiciária do Estado elaborados pela Repartição de Estatística somente até 1895 é que mencionavam a denominação completa dada a este Distrito pela Lei1859, e que daquela data em diante, o Distrito vem sendo chamado simplesmente ‘Olhos D’Água”, pelo que o nome Santana dos Olhos D’Água ficou sendo somente paroquial, ao que parece, desde aquela época, embora só em 1931 tenha o nosso antecessor no Cartório, passado a omitir o nome Santana e chamar a este Distrito somente de Olhos D’Água.
        A tendência maior em nossa população seria a de chamar o nosso Distrito somente de Santana, o que seria mais prático e razoável se não houvesse o grande inconveniente de ser este um nome já dado a muitos outros lugares.
        Olhos D’Água, conquanto não seja um nome inexpressivo, presta-se mal para designar por adjetivo dele derivado, a naturalidade das pessoas aqui nascidas e das associações aqui existentes.
        Últimos Tempos
        Afastado de estrada de ferro e passando seus atributos para os diversos municípios a que vem pertencendo, o nosso Distrito não recebeu dos favores públicos a merecida paga. E o progresso, que gosta muito de andar de trem, ou pelo menos por boas estradas , não se manifestou aqui em todas as atividades. E com a criação de distritos e municípios vizinhos, como sejam o de Guairá e São Joaquim, Olhos D’Água sofreu uma sangria bem grande no seu patrimônio territorial e produtivo, e como se não bastasse, a passagem legal, temos notado que parte da zona do Sucuri serve-se de Guairá e parte da zona do Córrego da Barra e da Estiva, onde estão localizadas as importantes fazendas Santa Cecília e Santa Helena, serve-se de São Joaquim, devido ao horário cômodo dos ônibus.
        Com a passagem do nosso Distrito para a comarca de São Joaquim sob cuja jurisdição estamos, parece que temos sofrido menos no terreno da administração municipal, principalmente quando esta esteve entregue ao Dr. Darci Uchoa e Dr. Eusímio Batista, que foram nossos subprefeitos e que nesse posto muito fizeram pelo Distrito. E como fato interessante, notamos que Olhos D’Água cresceu muito depois que se apresentou a crise do café, principalmente de 1930 a esta parte. E isto não devido às revoluções de  alterações de regimes políticos, mas porque a crise exigiu economias e muito trabalho e obrigou a nossa  população e principalmente os lavradores a se servirem da prata da casa, isto é, fazer suas compras no comércio local, que tomou por isso grande desenvolvimento, e incrementar aqui pequenas indústrias para se bastar do que fosse de imediata  necessidade. E assim, temos aqui atualmente diversas olarias, fábricas de polvilho e farinha de mandioca, máquinas de benefício de café e arroz e preparo de ferragem para animais, duas grandes oficinas de ferreiro, fabricação de veículos e serviços mecânicos, engenhos de cana e moinho de fubá, dezoito casas comerciais, quatro farmácias, quatro confeitarias, diversos salões de barbeiro, sapataria e selaria, e etc., e isto sem querer fazer referência somente à vila e suas imediações. O plantio de cereais é também considerável em nosso território, e o algodão de três anos para cá vem dominando os cerradões e invernada de terras outrora infrutíferas e contribuindo extraordinariamente para a situação financeira dos lavradores.
        A vila que até há poucos anos tinha menos de duzentas casas, e correio somente duas vezes por semana feito por meio de um automóvel que era o único veículo de carreira para São Joaquim, conta atualmente mais de trezentos prédios, entre os quais residências caras e modernas, como se vê dos clichês desta edição; três ônibus diários para São Joaquim e um para Guairá e outro para a fazenda São José, e ainda com as seguintes associações, que são um índice seguro de nossa interessante vida social: “Lira Carlos Gomes” com sede em prédio próprio, tendo ótima banda de música e excelente jazz-band; “Congregação Mariana”e “Pia União das Filhas de Maria”, associações religiosas com sedes instaladas; “Grêmio Esportivo Ipuano”, associação que dirige o esporte local, possuindo um quadro invicto de Bola ao Cesto, bons nadadores e remadores, e estudiosos enxadristas. Além das festas e passeios que a nossa sociedade sempre promove, temos retreta aos domingos e feriados, cinema falado e outras diversões públicas. Com relação à vida religiosa, estamos também muito bem servidos dada a dedicação com que o nosso distinto Padre Hermano Kuhnel e seu sacristão Joaquim Domingos de Antoni trabalham nesta Paróquia.
        O Grupo Escolar, que conta com seis classes, é dirigido pelo distinto e inteligente moço Oscar Vollet Sachs e tem como professores bastante dedicados,  o sr. Júlio Soares Dihel, D. Marta dos Santos, D. Tereza e Antonieta Capuzo, D. Amélia Chediak Teixeira e D. Ana Schimidt. Há ainda uma escola municipal provida interinamente pelo sr. Manoel Joaquim Marques com funcionamento regular.
        O serviço policial está a cargo do sr. Jair Souza Teixeira, elemento de destaque em nosso meio, e dos senhores Urzino de Almeida Melo, Josino Guilherme dos Reis e Afonso Trigo, que são também cidadãos dignos e moderados em suas ações...
        A subprefeitura está atualmente com o Dr. Euzímio Batista, a quem Olhos D’Água já deve considerável porção de seu desenvolvimento, e de quem nos é lícito esperar uma administração bastante progressista, dadas as qualidades que já lhe conhecemos.
        O juízo de Paz do Distrito tem como Juiz o respeitável cidadão Indalécio de Souza Melo e como escrivão o sr. Durval Correia Rangel.
        A Agência Postal tem como agente o dedicado funcionário sr. Firmo Zanini e como estafeta o sr. João Carlos Figueiredo, funcionário verdadeiramente exemplar.
        Uma das nossas grandes dificuldades nesta vila, por estarmos afastados 25 quilômetros, são os trabalhos que temos junto à Coletoria Estadual, e isto porque, não obstante a boa vontade dos funcionários daquela repartição, não raro somos obrigados a perder o ônibus das duas horas para podermos realizar o pagamento de impostos, fazer declarações estatísticas, e etc., em virtude do sempre constante movimento da repartição. Entretanto, estamos informados que, dentro em breve, será instalado nesta Vila um Posto de arrecadação de impostos estaduais, aliás já criado há cerca de um ano.
        Não encontramos dados relativos à criação da Paróquia, mas cremos que ela coincidiu com a elevação do povoado a arraial, fato que deve ter ocorrido em 1857, época em que se iniciou o primeiro livro de notas a cargo do escrivão da subdelegacia local.
        Arriscamos a indicar o ano de 1896 como sendo o provável da epidemia que se propagou nesta zona, não só devido a informações de velhos moradores daqui, mas também porque naquele ano o registro civil neste Distrito esteve quase completamente paralisado.

        ( Este texto foi copiado e, certamente adequado ao português da nossa época, pelo encarregado do Setor de Serviços Gerais, sr. Carlos Roberto da Rocha, em 25 de março de 1992).