Uma relíquia!
Notícias da minha cidade natal, no ano de 1938.
Este exemplar foi cedido pelo primo dr. Moacir Tazinafo que o recebeu de um amigo.
IPUÃ/ MEMÓRIA
MATÉRIA
EXTRAÍDA NA ÍNTEGRA DO JORNAL ‘O BANDEIRANTE’, EDIÇÃO N. 78, DATADA DE 19/
JULHO/ 1938
“ SANTANA DOS OLHOS D’ÁGUA- Um pouco de sua
história p/ D. C. Rangel.”
Os Batista Teixeira
O esboço primitivo desta localidade,
pensamos, data cerca de um século. E João Batista Teixeira, natural de Caldas,
estado de Minas Gerais, foi o primeiro homem branco a plantar junto do “córrego
Barreiro“, a sua choupana de desbravador do sertão. A sua intervenção, como era
natural, não foi bem recebida pelos indígenas da zona de Ypuã ou Ypu, que eram
as denominações que, segundo as notícias da primatividade, os nativos davam a
esta região. Contudo, ao lado de seu contraparente Antônio Manso Teixeira, não
cedeu às primeiras investidas e artimanhas da tribo dominadora, para algum
tempo depois se convencer que duas inteligências e dois homens embora
corajosos, não bastavam para vencer os habitantes de gleba e a sua natureza
inculta e ameaçadora, e por isso, deixando posse conhecida, voltaram ambos a
Minas, de onde vieram, alguns anos depois, João Batista Teixeira Filho,
respectiva família e muitos agregados completar o trabalho do velho.
O casal Carlos Fernandes
A fama desse sertão foi se tornando
conhecida e atraiu para aqui o casal Carlos Fernandes que, adquirindo grande
porção da fazenda Barreiro, se localizou também à margem esquerda do “Córrego
Barreiro “, que é o lado que a vila se desenvolveu. Homem prático e de certa
inteligência tendo como esposa D, Tereza, senhora muito caridosa e católica,
tomou Carlos Fernandes a firme deliberação de fazer brotar aqui um povoado sob
os auspícios de Nossa Senhora Santana, santa da devoção de D. Tereza .
A Capela
Escolhida assim a nossa milagrosa
padroeira, o casal Fernandes doou ( em data que não pudemos conseguir ) cerca
de cem alqueires de terras à direção católica da Província de São Paulo para a
formação do Patrimônio Paroquial e do povoado. Com essa doação, que deve orçar
por cerca de noventa anos, surgiu a primeira capela para a oração dos fiéis, o
que constituiu um estímulo à nascença do povoamento, onde se aportariam os
viajores e novos imigrantes em busca de farturas. E o povoado tomou vulto:
sobradões de adobes, de grossos esteios e portais enormes de aroeira, com
grades e parapeitos pelos altos das janelas, fizeram época num cordão de linhas
irregulares e imponentes como uma pequena cordilheira de pontas vermelhas e
fraldas brancas.
A Paróquia
Dado o grande passo da doação e da
construção da Capela, Carlos Fernandes e outros elementos de importância como o
capitão Francisco Marcolino Diniz Junqueira, Plácido Ferreira Lima, Antônio
Gomes, Antônio Soares Guimarães, Manoel Ferreira Mendes, Januário Rogério de
Moraes, Domiciliano Carlos Nogueira e outros amigos da localidade, conseguiram
a criação da Paróquia e a elevação do
povoado a arraial e segundo distrito de subdelegacia da Vila de Espírito Santo
de Batatais, comarca de Franca do Imperador.
O Distrito de Paz
Com a vinda do Pároco Felipe Ribeiro da
Fonseca para dirigir a Paróquia , Santana
ganhou mais um elemento de valor e capaz de orientar melhor as suas tentativas de progresso. E
assim, naturalmente sob orientação mais esclarecida, os incrementadores do
desenvolvimento local, conseguiram, a 25 de abril de 1859, fosse o nosso
arraial elevado a Distrito de Paz pela Lei n. 23, que o denominou Santana dos
Olhos D’Água.
Um grande mal
Infelizmente , cremos que em 1896, umas
febres contagiosas e de caráter maligno, interceptaram o progresso que levaria
Santana a município, despovoando o nosso território pela morte e pelo êxodo
quase completo de seus habitantes.
O carro do grande mal passou
vagarosamente, deixando fama assustadora. E por isso só depois de muito tempo e
já sem o entusiasmo da primeira arrancada, é que voltaram a esta terra alguns
de seus velhos moradores e novos emigrantes, entre os quais os filhos de Carlos
Fernandes- Joaquim e Prudenciano – Inácio Moreira Alves, José Ferreira Borges e
Capitão João Garcia de Carvalho ( este falecido há poucos anos ) e que ainda
tentaram algo em favor do distrito, sacudindo-lhe a poeira do marasmo em que
caíra.
E foi então que os velhos sobradões já
antiquados e em ruínas pelo abandono, escorados apenas pelos esteios de
aroeiras impassíveis ao avanço do tempo, foram demolidos e construídas casas
mais modernas com a descrição de um alinhamento melhor imaginado.
O nome desta região
Como fizemos referência de início, e
isto baseados em informações que vêm atravessando o tempo, conforme asseguram
descendentes do velho Morais, os selvagens chamavam a esta gleba de Ypuã ou
Ypu, enquanto que os primeiros visitantes brancos, chamavam-na Barreiro, devido
ao brejão do córrego que ainda conservava este nome. Vindo para aqui o casal
Fernandes e sendo D. Tereza devota de Nossa Senhora Santana e fazendo construir
a Capela a que nos referimos sob o patrocínio do nome da Santa de sua devoção,
ficou o povoado conhecido pela denominação de Santana. Mais tarde, porém, com a chegada do padre
Felipe, fez este com que a Paróquia conservasse o nome da Santa com o acréscimo
de Olhos D’Água, isto não só porque existiam muitos olhos d’água que chegavam a
formar um pequeno afluente do “Córrego Barreiro”, mas também, ao que supomos,
porque a denominação dada pelos indígenas prendia-se a este mesmo fato, isto é,
à existência de água que brotava das pedras e da terra, de vez que, segundo
afirma o professor João Ribeiro, Y pú ( e possivelmente Ypuã ) correspondeu no
guarani à expressão portuguesa olhos d’água, conclusão a que deve ter chegado
aquele ilustre pároco naquela época, em que, convém lembrar, era fácil obter
dos indígenas a explicação dos termos
por eles empregados. E assim se justifica o fato da lei que criou o Distrito
lhe ter dado a denominação de Santana dos Olhos D’Água, convindo notar que o
complemento Olhos D’Água, conforme nos reiteramos pelos livros do Cartório de
Paz do Distrito, só foi aproveitado a partir de julho de 1885, nas escrituras
aqui lavradas. Interessando-nos agora pelo caso, descobrimos que dos relatórios
e mapas da organização judiciária do Estado elaborados pela Repartição de
Estatística somente até 1895 é que mencionavam a denominação completa dada a
este Distrito pela Lei1859, e que daquela data em diante, o Distrito vem sendo
chamado simplesmente ‘Olhos D’Água”, pelo que o nome Santana dos Olhos D’Água
ficou sendo somente paroquial, ao que parece, desde aquela época, embora só em
1931 tenha o nosso antecessor no Cartório, passado a omitir o nome Santana e
chamar a este Distrito somente de Olhos D’Água.
A tendência maior em nossa população
seria a de chamar o nosso Distrito somente de Santana, o que seria mais prático
e razoável se não houvesse o grande inconveniente de ser este um nome já dado a
muitos outros lugares.
Olhos D’Água, conquanto não seja um
nome inexpressivo, presta-se mal para designar por adjetivo dele derivado, a
naturalidade das pessoas aqui nascidas e das associações aqui existentes.
Últimos Tempos
Afastado de estrada de ferro e passando
seus atributos para os diversos municípios a que vem pertencendo, o nosso
Distrito não recebeu dos favores públicos a merecida paga. E o progresso, que
gosta muito de andar de trem, ou pelo menos por boas estradas , não se
manifestou aqui em todas as atividades. E com a criação de distritos e
municípios vizinhos, como sejam o de Guairá e São Joaquim, Olhos D’Água sofreu
uma sangria bem grande no seu patrimônio territorial e produtivo, e como se não
bastasse, a passagem legal, temos notado que parte da zona do Sucuri serve-se
de Guairá e parte da zona do Córrego da Barra e da Estiva, onde estão
localizadas as importantes fazendas Santa Cecília e Santa Helena, serve-se de
São Joaquim, devido ao horário cômodo dos ônibus.
Com a passagem do nosso Distrito para a
comarca de São Joaquim sob cuja jurisdição estamos, parece que temos sofrido
menos no terreno da administração municipal, principalmente quando esta esteve
entregue ao Dr. Darci Uchoa e Dr. Eusímio Batista, que foram nossos
subprefeitos e que nesse posto muito fizeram pelo Distrito. E como fato
interessante, notamos que Olhos D’Água cresceu muito depois que se apresentou a
crise do café, principalmente de 1930
a esta parte. E isto não devido às revoluções de alterações de regimes políticos, mas porque a
crise exigiu economias e muito trabalho e obrigou a nossa população e principalmente os lavradores a se
servirem da prata da casa, isto é, fazer suas compras no comércio local, que
tomou por isso grande desenvolvimento, e incrementar aqui pequenas indústrias
para se bastar do que fosse de imediata
necessidade. E assim, temos aqui atualmente diversas olarias, fábricas
de polvilho e farinha de mandioca, máquinas de benefício de café e arroz e
preparo de ferragem para animais, duas grandes oficinas de ferreiro, fabricação
de veículos e serviços mecânicos, engenhos de cana e moinho de fubá, dezoito
casas comerciais, quatro farmácias, quatro confeitarias, diversos salões de barbeiro,
sapataria e selaria, e etc., e isto sem querer fazer referência somente à vila
e suas imediações. O plantio de cereais é também considerável em nosso
território, e o algodão de três anos para cá vem dominando os cerradões e
invernada de terras outrora infrutíferas e contribuindo extraordinariamente
para a situação financeira dos lavradores.
A vila que até há poucos anos tinha
menos de duzentas casas, e correio somente duas vezes por semana feito por meio
de um automóvel que era o único veículo de carreira para São Joaquim, conta
atualmente mais de trezentos prédios, entre os quais residências caras e
modernas, como se vê dos clichês desta edição; três ônibus diários para São
Joaquim e um para Guairá e outro para a fazenda São José, e ainda com as
seguintes associações, que são um índice seguro de nossa interessante vida
social: “Lira Carlos Gomes” com sede em prédio próprio, tendo ótima banda de
música e excelente jazz-band; “Congregação Mariana”e “Pia União das Filhas de
Maria”, associações religiosas com sedes instaladas; “Grêmio Esportivo Ipuano”,
associação que dirige o esporte local, possuindo um quadro invicto de Bola ao
Cesto, bons nadadores e remadores, e estudiosos enxadristas. Além das festas e
passeios que a nossa sociedade sempre promove, temos retreta aos domingos e
feriados, cinema falado e outras diversões públicas. Com relação à vida
religiosa, estamos também muito bem servidos dada a dedicação com que o nosso
distinto Padre Hermano Kuhnel e seu sacristão Joaquim Domingos de Antoni
trabalham nesta Paróquia.
O Grupo Escolar, que conta com seis
classes, é dirigido pelo distinto e inteligente moço Oscar Vollet Sachs e tem
como professores bastante dedicados, o
sr. Júlio Soares Dihel, D. Marta dos Santos, D. Tereza e Antonieta Capuzo, D.
Amélia Chediak Teixeira e D. Ana Schimidt. Há ainda uma escola municipal
provida interinamente pelo sr. Manoel Joaquim Marques com funcionamento
regular.
O serviço policial está a cargo do sr.
Jair Souza Teixeira, elemento de destaque em nosso meio, e dos senhores Urzino
de Almeida Melo, Josino Guilherme dos Reis e Afonso Trigo, que são também
cidadãos dignos e moderados em suas ações...
A subprefeitura está atualmente com o
Dr. Euzímio Batista, a quem Olhos D’Água já deve considerável porção de seu
desenvolvimento, e de quem nos é lícito esperar uma administração bastante
progressista, dadas as qualidades que já lhe conhecemos.
O juízo de Paz do Distrito tem como
Juiz o respeitável cidadão Indalécio de Souza Melo e como escrivão o sr. Durval
Correia Rangel.
A Agência Postal tem como agente o
dedicado funcionário sr. Firmo Zanini e como estafeta o sr. João Carlos
Figueiredo, funcionário verdadeiramente exemplar.
Uma das nossas grandes dificuldades
nesta vila, por estarmos afastados 25 quilômetros, são
os trabalhos que temos junto à Coletoria Estadual, e isto porque, não obstante
a boa vontade dos funcionários daquela repartição, não raro somos obrigados a
perder o ônibus das duas horas para podermos realizar o pagamento de impostos,
fazer declarações estatísticas, e etc., em virtude do sempre constante
movimento da repartição. Entretanto, estamos informados que, dentro em breve,
será instalado nesta Vila um Posto de arrecadação de impostos estaduais, aliás
já criado há cerca de um ano.
Não encontramos dados relativos à
criação da Paróquia, mas cremos que ela coincidiu com a elevação do povoado a
arraial, fato que deve ter ocorrido em 1857, época em que se iniciou o primeiro
livro de notas a cargo do escrivão da subdelegacia local.
Arriscamos a indicar o ano de 1896 como
sendo o provável da epidemia que se propagou nesta zona, não só devido a
informações de velhos moradores daqui, mas também porque naquele ano o registro
civil neste Distrito esteve quase completamente paralisado.
( Este texto foi copiado e, certamente
adequado ao português da nossa época, pelo encarregado do Setor de Serviços
Gerais, sr. Carlos Roberto da Rocha, em 25 de março de 1992).