Páginas

terça-feira, 17 de abril de 2018

MAIS UMA SAUDADE


Há quase 40 anos, às quartas-feiras, em volta do que sobrou do Clube dos 200, em Taguatinga, acontece uma feira. Amo feiras, empolga-me o burburinho e o colorido delas.
Lembro-me da primeira vez que vi a dona Alexandrina, perto da sua caminhonete. Ela estava em pé, atendendo freguês. O carro, com a porta traseira da carroceria arriada, mostrava uma explosão de verde, vinda de grande quantidade de milho verde exposto pra venda. Como contraste, num vestido florido colorido, ela gesticulava.
Lembro-me de ficar impactada com a bela figura dessa senhora alta e sacudida (termo que aprendi com a minha nona, usado por ela em referência a cada gordinha que conhecia). Essa senhora que me chamou a atenção, gesticulando, enquanto falava, deixou em mim a impressão de ser bem carismática. Tudo isso percebi enquanto passava de carro, indo para a rua à esquerda, onde fica a casa dos meus pais, na QSB 13.
Em 1982, quando, de acordo com as estatísticas, os moradores da zona rural fugiam pras cidades, o marido, os quatro filhos e eu fizemos o trajeto inverso; e fomos morar na roça, no Núcleo Rural Monjolo.
Uns bons meses depois, num sábado à tarde, uma vizinha, dona de chácara no mesmo núcleo rural, chegou a minha casa, trazendo, pra mim, alguns produtos que cultivava: milho verde e café (este, já processado e pronto para consumo). Convidou-me para almoçar na chácara dela. Disse-me que iria comemorar, no domingo, o seu aniversário. E acrescentou que queria a presença da minha família lá. Contou-me que morava no Lago Sul, com o Santana, seu marido. E que ele não gostava de roça. Enquanto que ela adorava e, se pudesse, moraria na dela... Era uma alegria ouvir aquela senhora de gestos expansivos, de voz agradável, de sorriso contagiante.
No domingo, depois de um almoço delicioso, com lasanha; arroz branco; feijão com pertences de porco; pernil assado; maionese; salada verde; sobremesas e companhias agradáveis ouvi dona Alexandrina contando que costumava vender, na feira da QSB, lá em Taguatinga, os produtos colhidos na sua chácara. Riu muito quando lhe contei que a havia visto, numa quarta-feira, enquanto eu ainda morava em Taguatinga... E acrescentei, com detalhes, a minha impressão, atraída por pela sua figura colorida.
Essa senhora que, aos sábados, costumava passar pela minha chácara, dirigindo sua caminhonete, começou a aparecer com motorista. Não descia do carro mais. Não entrava para comer meus quitutes. E suas visitas ficaram mais e mais esparsas.
Teve um dia que ela enviou o caseiro da chácara, com um convite, para que meu marido e eu fôssemos visitá-la, à noite. Era um sábado. Seu Santana, debilitado, tinha sofrido uns revezes e eles estavam passando uns dias ali, em busca de repouso. Passados uns meses, ele faleceu. E a senhora que aprendi a amar voltou a aparecer com mais frequência. Porque ela e meu marido tinham umas combinações de uso de equipamentos e troca de horas de trator... E sempre conversávamos. Com ela, sempre aprendi alguma coisa boa.
Quando minha vida virou de pernas para o ar, foi ela quem me deu consolo e conselhos pés no chão.
Sempre me convidava para ir à casa dela, no Lago. Dizia que eu fosse almoçar lá, em qualquer sábado. Porque, aos sábados, a casa era aberta e ela fazia almoço para quem quisesse aparecer. Nunca fui. Nunca me deu vontade. Porque sabia que não teria a atenção dela só pra mim, do jeito que costumava ser na minha casa...
Só soube de sua morte muito depois do acontecido.
Tive momentos especiais com essa pessoa querida que soube me cativar. Sei que recebi muito mais do que dei. Acho que minha acolhida a afagava. Sei bem que ela percebia que era querida e que eu a olhava com olhos de gratidão. Suas histórias, seus conselhos, sua atenção e carinho me ampararam. Mas, confesso, detestava seu perfume adocicado, que impregnava meu cérebro e atacava minhas alergias. Assim, à distância, sabendo que não a verei mais, sinto saudade de cada detalhe.
Deus a tem! Percebo-a cuidando de um pedacinho do céu, onde planta e colhe estrelas que distribui no firmamento...