Aos catorze, alcancei a
altura máxima, um metro e setenta e cinco centímetros, que o tempo se encarrega
de diminuir.
No Cemab, eram muitos os
apelidos. E eu me curvava, ao peso deles. Os que mais me afetaram: espanador da
lua; vara-pau; girafa; Belém-Brasília (era o tempo da construção da estrada que
serviria para que o Norte fosse desbravado: era uma rodovia comprida e mal
acabada; daí a ligação comigo...). Pesadelos povoavam meus sonhos, com medo de
nunca parar de crescer. E a pergunta que mais ouvia era: menina, você não vai
parar de crescer, não?
Foi em Taguatinga Sul que
minha família se alojou, desde o primeiro dia. Depois da primeira casa alugada,
ainda passamos por mais duas até meus pais comprarem o lote onde construíram
nossa casa. No lote recém-comprado, um
barraco de madeiras se impunha; era um misto de feiúra e desolação.
Até chegarmos a esta
penúltima morada - o barraco de madeiras - o desbravamento foi um tempo
sofrido. Contrariando minha indisposição inicial, adorei morar no barraco.
Sentia-me bem, dentro dele. Sinal de pertencimento e realismo? A menina em mim
fazia de conta que brincava de casinha. A mocinha tinha vergonha do primeiro
namorado que, de vez em quando, passava de carro, devagar, naquela rua onde os
muros e os limites entre as casas não tinham sido, ainda, necessários. O
namorado, às vezes, parava o carro e olhava um olhar comprido pro lado do
barraco e acabava desistindo. Lá dentro, pelas largas frestas entre as tábuas,
a mocinha vigiava e torcia pro moço desistir mesmo. Não ficava bem...
Toda a cidade era um mar
de barracos, salvo algumas casas de alvenaria - que pareciam pintadas a esmo -,
muitas do tipo meia água, outras poucas mais elaboradas. Era aquele o cenário
onde estávamos plantados e sentíamos a energia que nos induzia a perseverar, a
buscar o futuro.
Era tudo tão intenso que,
enquanto escrevo, custo a acreditar que em menos de três anos vivemos tantas
circunstâncias impensáveis e superamos tantas adversidades. E chegou o momento quando
pisamos na sala da nova casa, prontinha, cheirando a tinta fresca, imponente,
na frente do barraco que precisou ser demolido.
Aprendi a sonhar mais
vezes do que minha imaginação suportava, devorando livros que pegava
emprestados, na minibiblioteca daquela escola que eu frequentava, nos dois
horários. De manhã, o cenário era a escola: a sala-de-aula, a biblioteca, a
quadra de esportes. À tarde, a biblioteca, a quadra, ou as ruas próximas à
escola, onde abrandávamos a febre de bola, correndo e suando, sendo felizes
enquanto a queimada, o andebol e o vôlei eram o centro do nosso mundinho.
A Taguatinga daquele
tempo era áspera. A escola era o centro do universo. O movimento de gente na
secretaria da escola evidenciava que as pessoas continuavam chegando à cidade e
queriam seus filhos estudando. Já conhecia quase todos os colegas, mas não
tinha amigos. Na escola, eu vivia o papel de construtora do meu futuro
colorido.
Com o tempo, a cidade
natal virou uma história escrita no passado, com personagens inesquecíveis,
abrigados no meu coração. De vez em quando, meus pais decidiam que era hora de
visitar parentes e de matar saudade. Viajávamos quase oitocentos quilômetros até
o interior de São Paulo e era real a certeza que o passado estava guardado a
sete chaves, como um tesouro intocável, de valor inestimável. O coração
transbordava de alegria, ao percorrer cada pedacinho da cidade natal,
misturando o passado e o presente... Cada olhar refletindo pessoas queridas,
pulsando o prazer de voltar à terra querida, ouvindo o badalar dos sinos da
igreja matriz...
Mas, a cada nova visita,
mais e mais se acentuava a certeza de estranhamento, de perda, de choque de
realidade...
Nasci lá, renasci
aqui.
Aquele coração, que
transbordava de amor pelos que ficaram no passado, deixei-o aconchegadinho no
peito; e abri espaço para um outro, tão importante quanto, todo em branco, onde
desenhei, a cada novo dia, sem pressa e com muito empenho, cada novo minuto.
Entendi - e nunca me
esqueci - a necessidade de firmar o pensamento no momento vivido, aproveitando
o que a vida oferecesse, acreditando que conquistaria tudo que meus pais
buscavam quando se mudaram para Taguatinga.
O lote que abrigou o
barraco de madeira e, depois a casa nova, era vizinho a um espaço cheio de mato
e lixo, onde, num futuro bem próximo, construíram o Clube dos 200. Com quase 16
anos, estudava o ensino regular, de manhã, fazia muito esporte nas quadras do
Cemab, à tarde, e, três vezes na semana, pegava ônibus para a W3 e ia estudar
inglês, na Casa Thomas Jefferson.