Páginas

sábado, 12 de dezembro de 2015

PRECE DE MÃE


Foi no livro Cem anos de solidão, do Gabriel Garcia Marques, que o personagem José Arcadio Buendía disse pra Úrsula, sua esposa:
“- A gente não é de um lugar enquanto não tem um morto enterrado nele” (1967, p. 18).
Seguindo a linha de pensamento do personagem, foi, então, no dia 26 de junho de 1970 que nossa família passou a pertencer a esta terra de aventureiros sonhadores; o Distrito Federal. Numa tarde de sexta-feira. Porque foi nesse dia que, aos 94 anos, nossa Nona Henriqueta faleceu. E foi sepultada, no dia seguinte, no cemitério Campo da Esperança.
Ela nasceu na Itália, na segunda metade do século XIX, e chegou ao Brasil, com a família, com apenas 4 aninhos. O nome, na chegada, era Henrica Consoni. Quando se casou e foi morar em Ipuã, no interior do estado de São Paulo, com o Francisco Mapéli, seu nome ficou assim: Henriqueta Consoni Mapéli. Os dez filhos nascidos deste casamento foram criados na cidadezinha pacata.
Quando minha família veio morar em Taguatinga, a Nona não quis vir. Ficou morando com um filho. Chegamos em fevereiro de 64. Antes do final do ano, a Nona veio também. Não aguentou de saudade.
Foi essa Nona quem criou a minha mãe, desde que ficou órfã, pequenininha.
Meu pai costuma contar que via a Nona rezando e, em voz alta, ela pedia: “Ó Dio Cristo, traz um fio meu aqui, neste fim de mundo pra me ver, antes da minha morte...”
Era interessante ver aquela senhorinha ranzinza rezando, com o terço nas mãos, balbuciando algumas palavras e, pronunciando outras, em voz clara: “Ave-Maria, cheia de graça ... balbucios... Santa-Maria, mãe de Deus ... balbucios... e na hora da morte. Amém!”.
Pois ela rezava o dia inteiro. Costumávamos fazer chacota, dizendo que ela não rezava a oração inteira, que não valia e ela não seria atendida...
Teve um dia que meu pai a ouviu pedir com tanta convicção que ficou impressionado. E foi naquela mesma semana que apareceu um filho dela, o tio Hermínio!
Este tio havia se mudado para Mato Grosso, com a família. Fazia muito tempo que não o víamos. E ele chegou, na porta da nossa casa, de táxi. O ponto de referência era o Clube dos 200. Mas, meu tio não sabia nem o endereço, quanto mais algum ponto indicativo de como chegar até onde se encontrava a mãe dele!
Ele contou que viu o tamanho da cidade e não acreditou. Achava que era uma cidade tão pequena, mas tão pequena que até os cachorros se conheciam pelo nome...
Procurou um hotel onde se acomodar e pensar em como resolver a situação (acho que foi aquele que ficava ao lado da Igreja do Perpétuo Socorro) e não conseguiu se hospedar, porque estava sem documentos!
Que problemão!
Conversando, no hall do hotel, falou dos parentes e citou o sobrenome Gerin. Foi quando alguém disse: -" - O senhor é parente do Cláudio Gerin?" Pronto! Meu tio sentiu que renascia. Esse alguém foi atrás de um hóspede que trabalhava com o Cláudio Gerin, meu irmão, e foi ele quem pôs meu tio num táxi e o mandou para a QSB 13, em frente à entrada do Clube dos 200 (naquela época, a entrada era outra)...

Nesta foto, vemos meu pai; minha irmã Carmen Silene Gerin; o senhor Atílio Romualdo, um amigo (também da minha cidade natal); minha Nona; eu, logo atrás da Nona; e, do lado direito da foto, o aventureiro tio Hermínio, que veio a mando do nosso Pai, atendendo o pedido de uma mãe carente de afeto de filho. Foi uma visita muito comemorada!
Nossa Nona dizia que não queria ser enterrada no cemitério do Plano; queria ser levada para a nossa cidadezinha, para se juntar ao amado pai dos filhos dela. Não foi possível. Os tempos eram duros! Havia prioridades.
De onde ela estiver, ela entende e perdoa. Sabemos que a distância física é muito diferente da distância espiritual.
Quero agradecer, nesta homenagem, o legado dela: foi uma batalhadora e trabalhadora; prezou a honestidade e o amor à família; foi generosa, pois, além de criar dez filhos criou duas netas; e nos permitiu ser descendentes de fé, gente que acredita que a vida merece ser escrita com coragem e esperança.
Deus a tem!