Páginas

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

HOMENAGEM

Sítio Rosa Mística, outubro de 2003 
Há vezes em que mais que lamentar o ente querido que se vai, preocupamo-nos com quem  fica. Foi assim quando morreu o padrinho David. Só pensávamos no sofrimento da madrinha Landa.
A morte arrebatou dela, da madrinha tão querida, a engrenagem que movimentava toda alegria e razão de ser dos dois que viveram como se um fosse complemento do outro..
Não que ela não goste dos filhos tanto quanto gosta do padrinho. Mas eles, assim como todos os filhos, seguem seus caminhos e só às vezes, fazem um atalho no percurso diário, para ver os pais. É assim que outras famílias se formam. Eles também têm seus amores e seus filhos. Os dois, padrinho e madrinha, no entanto, são/foram extensão um do outro.
 A bem da verdade, ele não morreu. Tenho certeza que ele não se foi, está por perto. O que parece morte é ausência física. Nada mais é do jeito a que ela estava acostumada, mas ele continua fazendo parte da vida dela. Fosse eu escritora e fossem eles meus personagens, dar-lhes-ia a graça de morrerem juntos, mas não neste dia vinte e cinco de setembro de 2003. Permaneceriam juntos e felizes por mais um bom tempo. Viveram juntos por cinqüenta anos. Dar-lhes-ia mais cinqüenta anos de convivência e de amor. 
Se me pedissem para definir o padrinho com uma só palavra, eu diria presença. Onde a madrinha estivesse, ouviam-se as gargalhadas dela, misturadas aos casos vividos, que contava, enfatizando a presença e anuência do padrinho: “Não é, David?”
À proporção que cresci, acostumei-me a vê-lo, sempre ao lado dela, a cabeça inclinada ora para a esquerda, ora para a direita, olhando-a amorosamente. É assim que eu o vejo na memória.
Meus pais decidiram sair de Ipuã, não tive a companhia constante dos meus padrinhos durante a adolescência e a idade adulta. Porque houve a mudança para longe, não nos víamos com freqüência. Mas eles sempre se empenharam em visitar-nos, apesar da distância e das dificuldades.
A madrinha sempre foi motivo de orgulho para todos que temos a graça de tê-la. Ela é uma inspiração para mim. Meu modelo e personagem constante das histórias que conto quando discorro sobre as coisas maravilhosas que a vida me deu. Não há quem a conheça e não compartilhe desse agradecimento. Deus a criou em um momento de luz tão intensa que o anjo que O auxiliava tomou forma de gente e veio para cuidar dela: o seu David.
Nada me tira a certeza de que esse anjo continua olhando amorosamente por ela. 
O momento é de perda. A respiração é curta. As cores estão embaçadas. A alegria se foi.
Deus olha por ela nesta fase difícil de adaptação e há de restaurar nela a certeza da presença do padrinho. E a certeza de que vão reencontrar-se e ser novamente felizes, na eternidade.
Repito aqui sua frase predileta para todos que a conhecem: “Deus te abençoe!” Deus te abençoe, madrinha! Sempre te amei! Cléia. 
(Escrevi este texto no dia seguinte à morte do meu padrinho David. Depois, quando minha irmã foi a Ipuã, em janeiro do ano seguinte, enviei-o pra ela, em forma de carta, acompanhado do texto a seguir). 

Madrinha,

Queria pessoalmente ler este texto que escrevi em homenagem a vocês dois, casal querido que sempre foi só carinho com todos da minha família. Queria, pessoalmente, ler com a senhora, conversarmos bastante e chorar, uma ao lado da outra, para desapertar o peito oprimido. Todos passam pela vida, chega a hora para cada um de nós, mas não é fácil aceitar que o padrinho se foi. Principalmente para a senhora, bem sei. Conformar-se não é tarefa possível quando se foi abençoada por uma vida tão cheia da presença do amor. Só as lembranças não aplacam a dor da perda. Resta-nos pedir a Deus que lhe permita amenizar o sofrimento, que a ajude a manter viva a lembrança do padrinho nos corações dos que conviveram com ele e dos que não tiveram a graça de participar da alegria das conversas ao redor da sua mesa farta e carinhosa. Por enquanto está difícil ir até aí, mas uma hora dessas dará certo e poderei então, pessoalmente, demonstrar meu carinho e solidariedade. Cuide-se e lembre-se que agora a sua responsabilidade é maior porque lhe cabe a tarefa de ensinar as pessoas a se amarem como vocês dois sempre se amaram. Fica com Deus e que Deus a abençoe cada vez mais. Muitos beijos e um abraço do tamanho da minha saudade, Cléia. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário