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sexta-feira, 12 de junho de 2015

MINHA CASA DA QNL


Não tenho certeza, mas acho que foi em março de 73 que soubemos que havia inscrição para comprar casa da SHIS, em prestações facilitadas.
Estava casada desde agosto de 70 e nosso primeiro filho tinha nascido em agosto de 71. Meu marido, meu filho e eu morávamos numa casinha de três cômodos, nos fundos da casa dos meus pais. Na QSB 13.
Eu estudava, de manhã, na UnB e lecionava língua portuguesa, à noite, no curso Supletivo Fernandes’, que funcionava no Marista de Taguatinga. Minha amiga querida, a Isabel Perna, tinha sido a professora até fevereiro de 72 e escolheu-me para substituí-la, quando sua família se mudou para o Lago Norte.
A notícia sobre a possibilidade da casa própria nos animou e Djalma e eu fomos para o local da inscrição, achando que seria só para preencher uma ficha. Mas, não era assim tão simples! Era uma sexta-feira à tarde... Minha memória não me permite afirmar se era numa escola, mas sei que era ali perto do local onde funcionou o Buritinga; acho que era uma garagem. A fila estava formada do lado de fora de um lote bem grande, cercado de muros altos. Na nossa frente, já tinha mais de trinta pessoas. Alguém explicou que seria preciso dormir ali para guardar lugar. No outro dia, quando abrissem os portões, entregariam fichas. Só a partir da segunda-feira, quem estivesse com a ficha, e uma numeração específica, saberia quando comparecer ao prédio da SHIS para informar os dados e inscrever-se. Na esperança de que, um dia, conseguiria ser contemplado para comprar a casa própria, financiada, a perder de vista.
Éramos pobres de marré de si, como diz a música... Precisávamos de ajuda para ter a casa própria. Meu sogro tinha “emprestado” uma certa quantia para o Djalma entrar de sociedade na mercearia da minha mãe. E a lida era árdua! E o retorno era inconsistente e debilitado.
Meu marido resolveu ficar e fazer parte da fila que aumentava, a olhos vistos, numa proporção incrível. Fui até nossa casa, na nossa vemaguete vermelha, e voltei com o jantar, umas bolachas, roupa de frio, cigarros, cobertor, travesseiro e uma garrafa de café. A fila já tinha dobrado umas três vezes.
Na manhã seguinte, cheguei antes das sete, para render o marido. O combinado era que ele iria para casa dormir e eu ficaria até a hora do almoço. Um dos companheiros de vigília avisou para ele não ir, pois já iam abrir os portões. E abriram mesmo! Rapidamente, a fila andou e, lá dentro do lote, alguém entregava as tais fichas e as pessoas seguiam e saíam por outro portão. Segui, ao lado do marido e, para minha surpresa, também recebi uma ficha.
Foi uma euforia voltar para casa com duas fichas! Djalma sugeriu que poderíamos dá-la para algum parente meu. Os dois mais próximos, a quem oferecemos, não se interessaram. À noite, fomos à casa de um dos irmãos do Djalma, o que tinha mais filhos e morava, de favor, num barraco do patrão. O irmão nem se deu ao trabalho de responder; deu um muxoxo e balançou a cabeça, dando a entender que não tinha interesse. O outro irmão, quando foi procurado e soube da história toda, ao ver a ficha sendo oferecida, deu um sorrisinho e falou:
- O dia que você souber que moro numa casa da SHIS, pode ter certeza que desisti de subir na vida!
Na época, meu marido e minha mãe eram sócios numa mercearia de pequeno porte, numa loja alugada, naquele comércio entre a rua que desce para o Clube Primavera e a rua que desce para o Setor de Mansões de Taguatinga. Esta era a rua que, naquele tempo, dava acesso ao Barro Preto, como era conhecida aquela região onde, hoje, é a QSC 19.
A mercearia abria no domingo, até meio-dia. As duas fichas ainda estavam com o Djalma. E matutávamos e trocávamos ideia, tentando saber o que fazer com a ficha extra. Pensávamos em ajudar alguém que, como nós, começava a constituir sua família. Tinha que ser casal com filho, ou filhos.
À tarde, naquele domingo, oferecemos para o marido de uma amiga; ele também não se interessou.
Na segunda, na mercearia, meu marido conseguiu se “desfazer” dela, da tal ficha extra: deu-a para o moço que vendia bebidas. Não nos lembramos do nome dele, pois o conhecíamos pelo apelido: Grapete. Ele pagava aluguel, era pai de três filhos e a esposa encontrava-se grávida do quarto.
Feliz da vida, dali mesmo ele foi até o endereço carimbado na parte de trás da ficha e soube qual era o cronograma de atendimento. Voltou e informou para o Djalma que, na quarta, seria o dia da numeração deles e teriam que levar alguns documentos, com cópias.
Naquele mesmo ano, assim que as casas ficaram prontas, naquela primeira fase de entregas, na QNL, o tal moço recebeu a casa dele.
A nossa demorou um bocado de tempo mais.
Lembro-me, muito bem, que foi num domingo que minha mãe me acordou, logo cedo, para dizer que o nome do Djalma estava no Correio Braziliense daquele domingo, o que trazia a lista dos contemplados com casa da SHIS! Finalmente, iríamos receber a nossa casa. Foi um dia de luz mais intensa e de sensações maravilhosas. Eu esperava meu segundo filho.
Nossa casa ficava na QNL 23, conjunto H, casa 1. Era de esquina.
As despesas para passar documentos, as primeiras prestações e as reformas exigidas para torná-la um pouquinho mais confortável levaram nossa vemaguete.
Em 75, decidimos vender a casa.
Usamos o dinheiro como entrada na compra de um apartamento; financiamento feito na Caixa Econômica Federal.
Nosso apartamento ficava no segundo andar do prédio da Brecol, em Taguatinga Sul.

Foi um dos irmãos do Djalma quem comprou minha linda casa da QNL...

terça-feira, 2 de junho de 2015

UM PADRINHO DOCE E SORRIDENTE


Nas ocasiões festivas que meu padrinho nos visitou, no Distrito Federal, a alegria vinha junto e perdurava na nossa companhia, mesmo tendo passado semanas depois da volta dele para nossa Ipuã, no interior de São Paulo.
Divertido, bom contador de casos, um repertório bom de anedotas – mesmo se repetidas - era uma companhia muito agradável.
Nosso amor era recíproco!
Ele falec
eu dia 05 de junho de 2001.
Eu estava preparada, psicologicamente, para visitá-lo e passar o aniversário dele, comemorando sua vida, no dia 07.
No entanto, não foi assim que aconteceu!

(Nesta foto, meu padrinho veste camisa branca. Veio comemorar Bodas de Ouro dos meus pais, Ézio e Jandira, casal à direita)

A anedota dele, mais representativa e lembrada, é a que envolve um doce que foi servido para um visitante, em uma casa simples, de gente hospitaleira:
A conversa já rendia um tempo e, como era de praxe, em ocasiões assim, era chegada a hora do cafezinho; sinal de hospitalidade. Mas a visita disse que não tomava café. A dona da casa, então, providenciou um doce. Buscou a linda compoteira, cheia de doce de abóbora com coco e a colher de servir e voltou à cozinha para buscar pratinhos e colheres pequenas, para ela, a visita e o marido. Nesse meio tempo, o marido saiu e foi ao banheiro e, quando ela chegou com os pratinhos e talheres, ouviu a reclamação do visitante:
- A senhora pôs doce demais pra mim! Tá muito gostoso, mas acho que não aguento comer tudo isso, não...
Ele sempre recontava a anedota, sem muitas variações e, a cada vez, atentos, ríamos e achávamos divertida como se ouvíssemos pela primeira vez.
Também porque dava gosto ver a alegria estampada no rosto dele, evidenciando o tanto que a história o divertia.
Meu padrinho, Antônio Gerin, único irmão do meu pai, Ézio Gerin, nasceu, foi criado, constituiu, criou a família, faleceu e foi sepultado em Ipuã.
Foi casado com a Lourdes e tiveram cinco filhos. Minha madrinha se foi muito nova, em novembro de 77.
Ele possuía uma loja de calçados, na avenida principal da nossa cidadezinha pacata, de gente ordeira e trabalhadora. Lá onde, hoje, a filha caçula tem uma loja charmosa e variada de novidades, onde vende artigos de papelaria, de casa, brinquedos, decoração e para presentes.
Não foi uma caminhada fácil, a vida desse tio-padrinho. Foi persistente e de garra. Ele era um homem justo, de fé, muita fé na vida e no tanto que vale a pena ser bom para o próximo.
Deixou saudade e ensinamentos.
E inspira muita gratidão e sentimentos ternos no coração desta afilhada paparicada que sabia, com certeza, que as bênçãos e orações dele fizeram mais leves os enfrentamentos dos próprios percalços.

Deus o tem!