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segunda-feira, 30 de junho de 2014

MINHAS LEITURAS

Li, certa vez, que nunca devemos dizer “li tal livro!”. Dizendo assim nós o desmerecemos. Porque fica muito de um livro em nós. E continuamos, mesmo depois dele fechado, a saborear seus ditos...
Minha pretensão é a de marcar aqui, neste blog, leituras que fazem parte de mim. De vez em quando, vou postar trechos das minhas escrevinhações resultantes dessas minhas leituras.
Hoje, homenageio o Josué Montello. Esse escritor profícuo se foi em 15 de março de 2006, aos 88 anos, depois de escrever quase (ou mais de?) 80 livros. Ocupou a cadeira de n° 29, na Academia Brasileira de Letras. Foi eleito em 1954, aos 37 anos. O mais jovem integrante em toda a história da instituição.
De um livro que me passou pelas mãos, ficou muita lembrança doce. O título é “Na Casa dos 40”. O livro publicado pela Livraria Martins Editora (São Paulo) não traz a data de publicação. Traz um retrato do autor, desenho feito a bico de pena, com dedicatória e a data 1962. 
O autor conquistou-me cedo e fez-me cativa da sua escrita que, como escreveu Manuel Bandeira (consta da contracapa do livro citado) "[...] parece passada a limpo. Não há nunca, um excesso, um desleixo."
Meu livro predileto, escrito por este talentoso autor de obra tão vasta, é “Os Tambores de São Luís”; livro considerado, pela Unesco, um dos patrimônios culturais da humanidade. Em tempos de internet, caso alguém se interesse, dá pra saber a sinopse; resenhas e as críticas sempre positivas...
Também morro de amores por “Um Rosto de Menina e outras novelas reais”. Especialmente, porque uma das novelas é ‘O Milagre’. Nem sei quantas vezes a li... Nesta novela, Josué Montello começa discorrendo sobre santos, beatos e bem-aventurados da Igreja. E cita nomes que, como faz questão de afirmar, "[...] hoje ninguém mais invoca" (MONTELLO, 1978, p. 107). E lista alguns meus conhecidos (não é de estranhar, já estou bem adiantada nos anos: no meu tempo de menina, padres rezavam a missa em latim, de costas para os fiéis), como Santa Brígida; São Godofredo; Santo Arcádio; São Juventino. E lista outros, bem estranhos, como Vivina; Nimásio; Sabas; Polixena; Feba; Tecla...
Tudo isso, com o intuito de mostrar que Santos também vivem o apogeu e, claro, o crepúsculo. Levando-nos a valorizar, ainda mais, nosso amado Santo Antônio, a quem o autor alia fama e reputação ilibada: “Nascido em Lisboa, a 15 de agosto de 1195, vai o Taumaturgo a caminho de um milênio, sem que haja diminuído no mundo a sua clientela, tão vasta que se estende por toda a cristandade” (MONTELLO, 1978, p. 108).
Mas, estou me afastando do meu objetivo (em outro momento volto a esta novela que tem Santo Antônio e Djanira como personagens principais) e dando a ideia errada de que sou uma beata que só reza. Não sou. Sou, apenasmente, muito chegada a meus santos e tenho recebido muita proteção divina na minha caminhada...
No primeiro livro citado, “Na casa dos 40”, dedicado a dois amigos e à memória de Viriato Correia, o autor escreve episódios acontecidos na Academia Brasileira de Letras.
Na sua apresentação, Montello (1962?) conta que o título foi dado por Adelmar Tavares, na última conversa que tiveram, antes da morte deste poeta pernambucano. Josué só soube depois da morte de Adelmar que ele também tinha a pretensão de escrever um livro assim. Resolveu, então, homenagear o saudoso amigo, atendendo-o em relação ao título. Adelmar, inclusive, tinha publicado dois ou três capítulos referentes a esta temática, na imprensa de Pernambuco. Um desses capítulos traz um chiste de Machado de Assis, que a minha parte leitora gosta muito.
Josué Montello conta-o, na Apresentação. Envolve um grupo de escritores, entre os quais, Ferreira de Araújo; Sousa Bandeira; Machado de Assis; Raul Pompeia e Capistrano de Abreu. Caso acontecido por volta de 1883-1884. Consta que estes escritores resolveram estudar alemão com um professor que dominava a língua tão bem que “[...] ao transpor o “Dom Quixote” para o português, preferiu deixar de lado o original castelhano e socorrer-se de uma tradução alemã... (p.16)”.
Entusiasmado com a possibilidade de aprender o idioma, Capistrano de Abreu sugeriu convidar também o crítico Sílvio Romero para integrar-se à turma. O crítico tinha acabado de chegar “[...] do Recife com a fama ruidosa de conhecer a fundo os mestres germânicos.”
Machado de Assis fez sua objeção:
“- Infelizmente o Sílvio não pode mais aprender porque espalhou que já sabe” (p. 17). 
Neste livro, são muitos os episódios assim. Esses casos anedóticos nos permitem conhecer um pouco do que tem sido a Casa de Machado de Assis, a partir da sua fundação.
Josué Montello conta que Afrânio Peixoto também era um coletor de anedotários: “Estou a vê-lo, esfuziando jovialidade, na tarde em que me fez este reparo, numa das janelas da Biblioteca Nacional:
- O Governo, no Brasil, é uma instituição destinada a criar postos e impostos: os impostos para pagar os postos...” (p. 18).
Que bom que ele morreu sem ver que havia possibilidade de ser pior ainda...
Muitos são os episódios com o Viriato Correia, o escritor do livro Cazuza. Outros, com Afonso Arinos de Melo Franco. Traz ainda Afrânio Peixoto; Getúlio, o baixinho de São Borja; Olegário Mariano; José Veríssimo; Humberto de Campos...
Sobre a conquista de vaga, na Academia, o autor do livro em tela nos conta que “[...[ se faz por dois processos: um, por amadurecimento natural da candidatura e a sua aceitação pacífica pela instituição; outro pela disputa renhida em termos de competição eleitoral” (p. 32).
Uma dessas disputas marcantes foi a da sucessão de José Lins do Rêgo. Havia dois candidatos inscritos: Afonso Arinos e João Guimarães Rosa. 
Foi um senhor embate: “Inscritos, Afonso Arinos e Guimarães Rosa, as duas candidaturas, embora plenamente amadurecidas, dividiram, naturalmente, a instituição, criando aquela expectativa ansiosa que agrava o silêncio da urna à medida que se aproxima a hora da eleição” (p. 33).
O primeiro candidato, apoiado por Ribeiro Couto, saiu vencedor. O segundo recebeu o apoio de João Neves da Fontoura. Foi quem incentivou o Rosa a inscrever-se, entusiasmando-o durante toda a campanha. Mas, também era admirador e amigo de Afonso Arinos e ansiava pela companhia dele na Academia...
Eleito Afonso Arinos, a vida seguiu seu curso: “O reparo de Hamlet a Horácio, segundo o qual há muita coisa no céu e na terra que escapa à nossa filosofia, parece que também se aplica, com o seu cabedal de mistérios sutis, às eleições acadêmicas” (p. 33).
Quem é capaz de prever o que a vida nos reserva? Cabe-nos somente seguir adiante, aceitando o que está posto: “João Neves da Fontoura, que desejava para João Guimarães Rosa uma eleição por unanimidade, não chegou a ver realizada essa aspiração: ele próprio abriria a vaga que seria preenchida, sem um voto discordante dos acadêmicos, pelo romancista de “Grande Sertão Veredas” (p. 33).

Deve ter sido glorioso para Guimarães Rosa o momento da sua posse: cumpria o desejo de um amigo que o queria acolhido por unanimidade e sabia-se simpático a todos que faziam parte daquela casa.