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domingo, 24 de agosto de 2014

AMIGOS PARA SEMPRE

Tenho lembrança de piqueniques com a turma do Cemab, em Taguatinga, Distrito Federal.
Turminha formada por alguns colegas e amigos que se animavam e atendiam ao chamado para um domingo diferente.
 Íamos e voltávamos felizes, cantando, na carroceria do caminhão pilotado pelo meu pai.
Duas vezes meu pai nos levou para a cachoeira do Gama. Era um lugar muito bonito. No meio do cerrado, água cristalina em profusão, correndo pelas pedras que convidavam os mais afoitos a escorregar até mergulhar num poço largo, uma piscina natural...
Uma vez meu pai nos levou pela estrada de Brazlândia.
Ali onde hoje tem uma baita plantação de eucaliptos – do lado esquerdo de quem vai – ele comprou uma chacrinha que nem casa tinha. Por pouco tempo ela foi nossa; logo, o Incra a pegou de volta.
Um córrego marcava a divisa com a chácara vizinha. Passamos o dia à beira dessa água bendita, deliciosa, piquenicando: leves e sadiamente soltos... Foi em 1965.
O lugar não é, em nada, parecido com o que merecíamos.
Tenho fotos deste passeio.
Elas comprovam a total falta de estrutura do lugar.
Para nós, jovens castigados pelo calor e falta de umidade dos ares da nova terra - onde tentávamos nos adaptar e afirmar - era o cenário ideal para um domingo diferente, com direito a congraçamento e interação! 
A primeira foto traz, à esquerda, em pé, a Maria Carmem Bessa. Do lado direito, segurando um galho de árvore, o Célio. Ele e duas irmãs estudavam na mesma sala: a Célia e ... não me lembro o nome da outra... Entre a Carmem e o Célio, um tanto de gente querida que a minha falta de memória não me permite nomear... Sentado com um rádio de pilhas sobre o joelho direito, um rapaz de quem não sei o nome (ele aparece em uma foto postada pelo Getúlio Romão, aquela dos atletas do time de futebol do Comind). Do lado esquerdo dele, a Maria Helena Okubo. Todos observando alguma bravata que o Célio prometia aprontar...

Na segunda foto, fizemos pose: eu estou com o braço esquerdo em cima do ombro da irmã da Maria Helena Okubo, a Mitinha Okubo (novamente, falha a memória; não me recordo do nome dela, só o apelido!)... Fomos vizinhas e muito amigas, quando a família delas morava na QSB 11. Os outros amigos eu não reconheço.

Na terceira foto, a Nélia está com o braço esquerdo na direção da boia que leva meu irmão caçula e a minha irmã Cármen Silene Gerin. Atrás da boia, duas mocinhas. Uma delas, a irmã do Célio (aquela que não me lembro o nome). Não sei quem é a de maiô preto, do lado direito da foto.

A quarta foto traz a irmã do Célio, em destaque. Na boia, o meu irmão caçula. O menino dentro da água é o Maurício Mancuso. O rapaz com o outro menino ficaram no passado...

Na quinta foto, estou dentro d’água e, em pé, em uma das margens, estão quatro jovens que não reconheço; a não ser a Maria Ézia, no canto esquerdo, com um lenço na cabeça.

Na sexta e última foto, uma visão mais ampla do nosso pedacinho de céu. Na boia, a Célia, irmã do Célio e a moça que não identifiquei. Do lado direito, meu irmão caçula...

Que pena! Poucas fotos (tiradas pela minha mãe) documentam nosso passeio. Eram bem escassas as nossas opções de lazer, numa cidade sem parques, sem clubes...
Foram intensas as nossas experiências.

Éramos depositários de sonhos distantes - que vislumbrávamos - e sabíamos que tínhamos garra para conquistar, apesar do cenário áspero, da pobreza, das moradias sem conforto...   

terça-feira, 12 de agosto de 2014

ROBERTO CARLOS, MARIANA E EU

Minha amiga Mariana Bergamaschi era minha mentora. Alguns meses mais velha, a mocinha sabida era bem descolada. Também tinha vindo do interior de São Paulo e morava com os pais e os irmãos, na QSB. Era cheia de atitude. Sua personalidade contrastava com a minha que teimava em esconder-se debaixo de muita timidez e complexos.
E teve um dia - acho que no ano de 65, numa segunda-feira - que a Mariana me contou que rolava um boato pelos corredores do Cemab. Estávamos no recreio. O sinal tinha acabado de nos libertar de uma aula enfadonha, no bloco recém-construído, o Bloco B.
Nosso bedel era o temível Marcelo Homem de Faria. Ele costumava atemorizar-nos, com avisos e ameaças, para coibir atitudes de excesso comuns entre adolescentes. Com o tempo, entendemos que ele fazia tempestade em copo d’água, para impor a disciplina que ele queria - e conseguia – com a simpatia que espalhava entre os jovens.
Era costume nosso andar pela escola, aproveitando o sol. Conversando o tempo todo. Saíamos da sala, Mariana e eu, e dávamos a volta em direção às quadras de esportes, pra ver se havia atividades. Depois, continuávamos caminhando pelas calçadas que circundavam o prédio antigo, rodeávamos os dois blocos e voltávamos pra área das quadras.
Curiosa pra saber o boato - esperava por alguma novidade de namoro, ou de desavença entre conhecidos - nem acreditei quando ela falou:
- O Roberto Carlos vai cantar naquele circo que está instalado em frente ao Bar Estrela. Tão falando aí. Será? Não tou acreditando não.
Nosso mundo se restringia à escola, televisão e filmes no Paranoá. Aos domingos, as nossas tardes eram passadas com os olhos grudados na tv (isso, antes do Clube dos 200 brotar do chão, trazendo nossas domingueiras famosas), corações sobressaltados, músicas na ponta da língua e muitas emoções: a Jovem Guarda tomava conta de nossas vidas. Nosso mundo girava em torno de um eixo: Roberto Carlos.
Não me lembro de muitos detalhes.
Que pena!
Pudera! Foi há quase cinquenta anos!
Combinamos, Mariana e eu, que compraríamos os ingressos à tarde e pagaríamos para ver se ele apareceria mesmo. Queríamos acreditar que sim, mas, no fundo, duvidávamos que a grandiosidade do fenômeno que a tv nos mostrava caberia num palco de um circo chinfrim, armado naquela área onde hoje se encontra a Praça do Relógio. Lá havia um descampado onde, eventualmente, circos ou parques ofereciam temporadas de novas opções de lazer, na nossa Taguatinga de criaturas carentes de emoções.
Na hora marcada, quando começou o espetáculo circense, tinha gente saindo pelo ladrão... Entendemos que todos os jovens da cidade resolveram adotar a mesma estratégia que escolhemos seguir: também pagaram pra ver!
A cada novo intervalo entre as apresentações de praxe, gritávamos o nome dele, o nome doce do Robeeeertooooo. Queríamos acreditar que ele nos escutava! Era muita expectativa nos nossos corações de adolescentes sonhadores!
Contrariando todo o pessimismo e encantando nossos sentimentos de mocinhas deslumbradas, ele apareceu.
E cantou e cantou e cantou!
E foi sublime!
Foi uma noite de sonho!
Inesquecível!
Mesmo agora, quase meio século depois, a lembrança traz alento e alegria.
Mas o show chegou ao fim.
Nosso cantor se despediu e saiu, deixando-nos cheias de enlevo e gratidão.
A Mariana cochichou que íamos ficar esperando pelo Roberto, paradas, na entrada do circo, pois ele teria de voltar pra buscar o cachê. Alguém tinha comentado com ela que o Roberto tinha sido contratado com porcentagem extra, de acordo com o público pagante. Portanto, ele teria de buscar o resultado do fechamento do caixa.
Por volta de meia-noite, ainda nos encontrávamos na entrada do circo, comentando o encantamento do espetáculo que ele nos proporcionou, cantando todas as músicas que conhecíamos e sabíamos. Éramos uma turma de pouco mais de dez pessoas, aguardando, em dúvida, se nosso palpite se concretizaria.
Então, ele apareceu!
Inacreditável estar de frente com o famoso cantor, nosso ídolo maior naqueles tempos de iê iê iê.
Lembro-me que eu só olhava.
Não tive coragem de fazer perguntas, ou comentários... Só sacudi a cabeça - afirmativa e enfaticamente - quando ele perguntou “gostaram do show?”
Estava embasbacada!
A Mariana conversava, contava, perguntava, respondia às perguntas que ele fazia sobre nossa cidade... e teve a presença de providenciar nossos autógrafos, em pedaços de papel que ela levou de casa.
Mais tarde, na minha cama, lembro-me de demorar muito pra fechar os olhos, com medo de entregar-me ao sono e acordar, no dia seguinte, sem aquela sensação mágica que tomava conta de mim.
Na escola, na hora do recreio, o papelzinho com a assinatura do rei fez tanto sucesso que sumiu...
Por mais duas vezes tive a chance de ver o Roberto assim, bem de perto.
Também em Taguatinga.
Cantando, no Clube dos 200. 
No Ginásio de Esportes, onde só fui uma vez, ele era só um ponto brilhante lá longe. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A AVENIDA ELMO SEREJO E EU

Esta foto do Getúlio me fez voltar no tempo. O dia foi 07/07/77. Faltavam dez minutos pras 7 da noite. Eu tinha ido buscar um frango assado, pro jantar, na distribuidora Só Frango que minha mãe tinha montado numa loja da Samdu Sul. Voltava toda tranquila, na minha Belina marrom, achando muito calma aquela pista, naquele horário que, normalmente, era de rush. Escutei barulho de freios, percebi um carro parado, à esquerda, dando seta pra descer pra QSC e uma caminhonete vindo pra cima de mim.
Estava dando seta, pra esquerda, pra deixar a Samdu, pois morava em um apartamento, no prédio da Brecol. Pretendia, pois, subir; e já me posicionava mais para a esquerda da pista. Atenta, virei, rapidamente, o volante para a direita, o mais que pude, mas a caminhonete ainda abalroou, com força, toda a lateral do meu carro. Por sorte, não foi tão impactante e consegui parar a poucos centímetros de um poste. 
De onde surge tanta gente quando acontece algo sinistro? Parece que é instantâneo. Lembro-me que dei ré e parti na direção do centro da cidade, atrás do meliante que, em vez de bater no carro parado que ele viu de última hora, jogou a caminhonete pra esquerda do tal carro e acertou o meu! Ouvi pessoas me incentivando, com gritos e palmas e lá fui eu, decidida a ver a placa do carro para poder registrar a ocorrência...
Alcancei a caminhonete e consegui emparelhar minha Belina com ela, mas não consegui desvendar a placa, no meio de tanta poeira... Enxerguei três pessoas na cabine. O motorista fez menção de jogar a caminhonete pra cima do meu carro... Tudo isso, na pista ainda em construção. Tudo era só poeira ...
Na foto do Getúlio, o carro que desce no rumo do centro da cidade, levanta uma nuvenzinha de poeira. Na história que vivi, a caminhonete fugia na direção da Ceilândia e a cena era sinistra, por conta da escuridão e da poeira...
Ainda bem que eu não estava armada! Ainda bem que eu nunca aprendi a atirar... 
Credo! Será que meu instinto violento foi influência dos filmes de faroeste que vi no Cine Paranoá?
Esqueci de contar que eu estava grávida, de cinco meses, do meu Pretim, meu quarto filho. 
A pista irregular, a poeira e a certeza de não conseguir enxergar a placa, fizeram com que eu voltasse à razão e eu desisti da empreitada... Acompanhada da minha raiva, sentindo-me injustiçada, voltei pra casa.
Quando se é jovem, injustiça costuma ser carga enorme de suportar...
Se fosse um filme!!! Ah, se fosse um filme eu teria jogado minha linda Belina contra a caminhonete que, além de sair da estrada, teria a má sorte de cair num despenhadeiro (o lugar não tem um, mas, no filme, eu providenciaria para que tivesse), com direito a iluminar todo o cenário, quando batesse no fundo e explodisse e, de quebra, levasse minha raiva pro espaço, no meio da fumaça negra que subiria ameaçando a camada de ozônio que, naquela época, nem fazia parte das minhas preocupações...
Voltei pra casa, deixei o frango e corri pra escola, sem jantar. O horário de entrada era às 19:30 h e eu nunca fui de chegar atrasada.
Minha Belina ficou uns bons meses amassada e riscada e complexada... Professor nunca foi bem remunerado mesmo...