Ele era
professor de língua portuguesa. Trabalhava no Centro de Ensino 05 de Taguatinga
e aliava seu profissionalismo à alegria de participar do nosso grupo de
professores afinados e dedicados à educação. Percebíamos, visivelmente, que
adorava o que fazia!
Foi ele quem
veio com a história de cursarmos uma pós-graduação, lá no interior de São
Paulo. Durante um ano, um final de semana a cada mês. Antes das férias de
julho, ficou decidido que seríamos 5 a revezar carro. Da nossa escola, seríamos
4; o quinto seria o diretor do Centro Educacional 03, o Anísio.
Nas férias,
aconteceu um acidente com esse diretor e ele faleceu.
Quando retomamos
o semestre, o Antônio já estava com tudo programado: iríamos de ônibus, porque
carro era muito perigoso... Alguém tinha fretado um ônibus e ele reservara
lugar para 4.
Na madrugada do
dia 9 de agosto de 86, num ônibus da Real Expresso, onde 35 professoras e um
único professor se encaminhavam para Franca, SP, o sinistro se fez presente e
ficamos sem o Antônio. Para nossa tristeza!
Era alegre e
amigo o nosso colega. Muitas vezes, eu atendia à porta da sala e era ele, todo
agitado e sorridente, perguntando o que eu estava fazendo, qual o assunto da
aula do dia, se eu podia dar uma palavrinha com ele... E acrescentava: “Quer
saber as pérolas?” Éramos “fofoqueiros” de plantão. Porque éramos novos. Ele
tinha feito 30 anos em maio e eu faria 36 em novembro. Fosse hoje, diria que
éramos os cronistas da escola... rsrsrs Tudo que acontecia na escola, o Antônio
contava pra mim. Escolas são ilhas que rendem crônicas inacreditáveis! Algumas
impublicáveis! Quando sofremos o acidente, ele atuava como assistente e o nosso
arsenal de guerra era uma montanha! heheheh Porque eu ficava restrita a minha
sala de aula, mas ele tinha 360 graus de escola para gáudio de seus olhos
perscrutadores...
Vale uma
ressalva aqui: não éramos maldosos; éramos felizes! Não tínhamos culpa se a
munição era presenteada na bandeja...
Na véspera da
nossa viagem, durante o recreio, o assunto morte foi a tônica. O Antônio foi o
único a comentar: “Tenho a maior curiosidade para saber como é o lado de lá!”.
Discordamos. Éramos uns 30 professores nesse recreio marcante. Num dos cantos
da sala, onde ficava o cafezinho, em pé, ele ainda acrescentou: “Pois me
mantenho preparado para ir a qualquer hora que Deus quiser me levar!”.
Durante a
viagem, acomodada no lugar da rodomoça (lugar que o Antônio reservou pra mim,
ou a minha claustrofobia não me permitiria viajar), conversava com o motorista.
Minha tática para não ter perigo dele dormir ao volante. Tínhamos saído da
frente do Centro de Ensino 03, às 21 horas, e viajaríamos a noite toda. Durante
a viagem, eu curtia uma enxaqueca que já durava três dias. E já tinha tomado
dois comprimidos de migrane...
A todo momento,
o Antônio vinha dar a bronca em mim: “Na primeira parada, vou ligar pro seu
marido e contar que você está atrapalhando a concentração do motorista! Para de
conversar, matraca!”.
Eu ria e
explicava que tinha a intenção de conversar durante a viagem inteira.
Percebi que meu
amigo estava triste. Muito triste. Ele não brincou, não contou casos, não parava
na poltrona dele. Na parada de Ponte Alta (um posto antigo, depois de
Cristalina), ele veio falar comigo e eu comentei que ele estava calado e triste.
Ele disse que estava preocupado e que eu parasse de distrair o motorista. E que
estava entediado lá no fundo do ônibus. Preocupou-se em arrumar lugar pra mim,
bem na frente, e esqueceu que não dormia em viagem e lá do fundo nada via.
Quando saímos do
posto, assim que o ônibus pegou a rodovia, o Antônio estava em pé, na porta que
dava acesso à cabine do motorista e da rodomoça e o motorista se saiu com esta:
- Tem um mês que
teve um acidente bravo, aqui, antes da ponte. Um ônibus da Real e um caminhão.
Os dois motoristas e a rodomoça morreram na hora.
Ainda
conversamos um pouco e o meu amigo voltou pra poltrona dele.
Em Catalão, nova
parada, no Posto JK, onde tomei um pingado e mais um migrane. O Antônio pegou o
lanche pedido e não se sentou; ficou andando pelas imediações da lanchonete,
visivelmente incomodado. Tenho gravada a imagem do meu amigo querido andando e
olhando ao redor e comendo seu lanche.
Quando avistamos
as luzes de Uberlândia, comentei com o motorista que eu ia me recostar pra ver
se dormia e a dor de cabeça passava. Ele ainda me disse pra inclinar a
poltrona, mas eu respondi que não ia dormir, só relaxar. Tinha acabado de rezar
uma novena para as Almas, pedindo uma empregada doméstica. A minha tinha ido de
férias e não tinha voltado, pois ia casar-se.
Acordei com
barulhos da batida, gritos, freios, buzinas...
Um caminhão
carregado de carvão, parado no acostamento, tinha sido o obstáculo onde nosso
ônibus bateu. Da carroceria, veio uma tábua que arrancou meu banco, jogou-me
(sem cintos, parecia que estava atracada à poltrona) para trás e, enviesada, bateu
no peito do Antônio e quebrou-lhe o pescoço, resultando em morte súbita.
Quando o ônibus
parou, a Elza, então diretora do CETS, repetia: “O Antônio morreu!”...
Lembro-me de
pensar “Qual o quê? O acidente foi só na frente do ônibus; a Elza deve estar
fora de si!”.
O Antônio tinha
trocado de lugar com a professora Maria Helena, colega nossa do Centro 05, uns
dez minutos antes de acontecer a tragédia. Morreu na poltrona 06.
Meu amigo foi
fazer parte da legião celeste aos 30 anos.
Deixou, na QSC
23, casa 06, em Taguatinga, a esposa viúva e duas filhinhas órfãs.
Esforçado,
estudioso, tinha duas graduações – Letras e Pedagogia -, feitas na Católica, e
buscava aprimorar seus conhecimentos.
Faz muita falta!