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terça-feira, 9 de agosto de 2016

UM AMIGO NO CÉU: ANTÔNIO DA SILVA RIBEIRO


Ele era professor de língua portuguesa. Trabalhava no Centro de Ensino 05 de Taguatinga e aliava seu profissionalismo à alegria de participar do nosso grupo de professores afinados e dedicados à educação. Percebíamos, visivelmente, que adorava o que fazia!
Foi ele quem veio com a história de cursarmos uma pós-graduação, lá no interior de São Paulo. Durante um ano, um final de semana a cada mês. Antes das férias de julho, ficou decidido que seríamos 5 a revezar carro. Da nossa escola, seríamos 4; o quinto seria o diretor do Centro Educacional 03, o Anísio.
Nas férias, aconteceu um acidente com esse diretor e ele faleceu.
Quando retomamos o semestre, o Antônio já estava com tudo programado: iríamos de ônibus, porque carro era muito perigoso... Alguém tinha fretado um ônibus e ele reservara lugar para 4.
Na madrugada do dia 9 de agosto de 86, num ônibus da Real Expresso, onde 35 professoras e um único professor se encaminhavam para Franca, SP, o sinistro se fez presente e ficamos sem o Antônio. Para nossa tristeza!
Era alegre e amigo o nosso colega. Muitas vezes, eu atendia à porta da sala e era ele, todo agitado e sorridente, perguntando o que eu estava fazendo, qual o assunto da aula do dia, se eu podia dar uma palavrinha com ele... E acrescentava: “Quer saber as pérolas?” Éramos “fofoqueiros” de plantão. Porque éramos novos. Ele tinha feito 30 anos em maio e eu faria 36 em novembro. Fosse hoje, diria que éramos os cronistas da escola... rsrsrs Tudo que acontecia na escola, o Antônio contava pra mim. Escolas são ilhas que rendem crônicas inacreditáveis! Algumas impublicáveis! Quando sofremos o acidente, ele atuava como assistente e o nosso arsenal de guerra era uma montanha! heheheh Porque eu ficava restrita a minha sala de aula, mas ele tinha 360 graus de escola para gáudio de seus olhos perscrutadores...
Vale uma ressalva aqui: não éramos maldosos; éramos felizes! Não tínhamos culpa se a munição era presenteada na bandeja...
Na véspera da nossa viagem, durante o recreio, o assunto morte foi a tônica. O Antônio foi o único a comentar: “Tenho a maior curiosidade para saber como é o lado de lá!”. Discordamos. Éramos uns 30 professores nesse recreio marcante. Num dos cantos da sala, onde ficava o cafezinho, em pé, ele ainda acrescentou: “Pois me mantenho preparado para ir a qualquer hora que Deus quiser me levar!”.
Durante a viagem, acomodada no lugar da rodomoça (lugar que o Antônio reservou pra mim, ou a minha claustrofobia não me permitiria viajar), conversava com o motorista. Minha tática para não ter perigo dele dormir ao volante. Tínhamos saído da frente do Centro de Ensino 03, às 21 horas, e viajaríamos a noite toda. Durante a viagem, eu curtia uma enxaqueca que já durava três dias. E já tinha tomado dois comprimidos de migrane...
A todo momento, o Antônio vinha dar a bronca em mim: “Na primeira parada, vou ligar pro seu marido e contar que você está atrapalhando a concentração do motorista! Para de conversar, matraca!”.
Eu ria e explicava que tinha a intenção de conversar durante a viagem inteira.
Percebi que meu amigo estava triste. Muito triste. Ele não brincou, não contou casos, não parava na poltrona dele. Na parada de Ponte Alta (um posto antigo, depois de Cristalina), ele veio falar comigo e eu comentei que ele estava calado e triste. Ele disse que estava preocupado e que eu parasse de distrair o motorista. E que estava entediado lá no fundo do ônibus. Preocupou-se em arrumar lugar pra mim, bem na frente, e esqueceu que não dormia em viagem e lá do fundo nada via.
Quando saímos do posto, assim que o ônibus pegou a rodovia, o Antônio estava em pé, na porta que dava acesso à cabine do motorista e da rodomoça e o motorista se saiu com esta:
- Tem um mês que teve um acidente bravo, aqui, antes da ponte. Um ônibus da Real e um caminhão. Os dois motoristas e a rodomoça morreram na hora.
Ainda conversamos um pouco e o meu amigo voltou pra poltrona dele.
Em Catalão, nova parada, no Posto JK, onde tomei um pingado e mais um migrane. O Antônio pegou o lanche pedido e não se sentou; ficou andando pelas imediações da lanchonete, visivelmente incomodado. Tenho gravada a imagem do meu amigo querido andando e olhando ao redor e comendo seu lanche.
Quando avistamos as luzes de Uberlândia, comentei com o motorista que eu ia me recostar pra ver se dormia e a dor de cabeça passava. Ele ainda me disse pra inclinar a poltrona, mas eu respondi que não ia dormir, só relaxar. Tinha acabado de rezar uma novena para as Almas, pedindo uma empregada doméstica. A minha tinha ido de férias e não tinha voltado, pois ia casar-se.
Acordei com barulhos da batida, gritos, freios, buzinas...
Um caminhão carregado de carvão, parado no acostamento, tinha sido o obstáculo onde nosso ônibus bateu. Da carroceria, veio uma tábua que arrancou meu banco, jogou-me (sem cintos, parecia que estava atracada à poltrona) para trás e, enviesada, bateu no peito do Antônio e quebrou-lhe o pescoço, resultando em morte súbita.
Quando o ônibus parou, a Elza, então diretora do CETS, repetia: “O Antônio morreu!”...
Lembro-me de pensar “Qual o quê? O acidente foi só na frente do ônibus; a Elza deve estar fora de si!”.
O Antônio tinha trocado de lugar com a professora Maria Helena, colega nossa do Centro 05, uns dez minutos antes de acontecer a tragédia. Morreu na poltrona 06.
Meu amigo foi fazer parte da legião celeste aos 30 anos.
Deixou, na QSC 23, casa 06, em Taguatinga, a esposa viúva e duas filhinhas órfãs.
Esforçado, estudioso, tinha duas graduações – Letras e Pedagogia -, feitas na Católica, e buscava aprimorar seus conhecimentos.

Faz muita falta!