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terça-feira, 12 de agosto de 2014

ROBERTO CARLOS, MARIANA E EU

Minha amiga Mariana Bergamaschi era minha mentora. Alguns meses mais velha, a mocinha sabida era bem descolada. Também tinha vindo do interior de São Paulo e morava com os pais e os irmãos, na QSB. Era cheia de atitude. Sua personalidade contrastava com a minha que teimava em esconder-se debaixo de muita timidez e complexos.
E teve um dia - acho que no ano de 65, numa segunda-feira - que a Mariana me contou que rolava um boato pelos corredores do Cemab. Estávamos no recreio. O sinal tinha acabado de nos libertar de uma aula enfadonha, no bloco recém-construído, o Bloco B.
Nosso bedel era o temível Marcelo Homem de Faria. Ele costumava atemorizar-nos, com avisos e ameaças, para coibir atitudes de excesso comuns entre adolescentes. Com o tempo, entendemos que ele fazia tempestade em copo d’água, para impor a disciplina que ele queria - e conseguia – com a simpatia que espalhava entre os jovens.
Era costume nosso andar pela escola, aproveitando o sol. Conversando o tempo todo. Saíamos da sala, Mariana e eu, e dávamos a volta em direção às quadras de esportes, pra ver se havia atividades. Depois, continuávamos caminhando pelas calçadas que circundavam o prédio antigo, rodeávamos os dois blocos e voltávamos pra área das quadras.
Curiosa pra saber o boato - esperava por alguma novidade de namoro, ou de desavença entre conhecidos - nem acreditei quando ela falou:
- O Roberto Carlos vai cantar naquele circo que está instalado em frente ao Bar Estrela. Tão falando aí. Será? Não tou acreditando não.
Nosso mundo se restringia à escola, televisão e filmes no Paranoá. Aos domingos, as nossas tardes eram passadas com os olhos grudados na tv (isso, antes do Clube dos 200 brotar do chão, trazendo nossas domingueiras famosas), corações sobressaltados, músicas na ponta da língua e muitas emoções: a Jovem Guarda tomava conta de nossas vidas. Nosso mundo girava em torno de um eixo: Roberto Carlos.
Não me lembro de muitos detalhes.
Que pena!
Pudera! Foi há quase cinquenta anos!
Combinamos, Mariana e eu, que compraríamos os ingressos à tarde e pagaríamos para ver se ele apareceria mesmo. Queríamos acreditar que sim, mas, no fundo, duvidávamos que a grandiosidade do fenômeno que a tv nos mostrava caberia num palco de um circo chinfrim, armado naquela área onde hoje se encontra a Praça do Relógio. Lá havia um descampado onde, eventualmente, circos ou parques ofereciam temporadas de novas opções de lazer, na nossa Taguatinga de criaturas carentes de emoções.
Na hora marcada, quando começou o espetáculo circense, tinha gente saindo pelo ladrão... Entendemos que todos os jovens da cidade resolveram adotar a mesma estratégia que escolhemos seguir: também pagaram pra ver!
A cada novo intervalo entre as apresentações de praxe, gritávamos o nome dele, o nome doce do Robeeeertooooo. Queríamos acreditar que ele nos escutava! Era muita expectativa nos nossos corações de adolescentes sonhadores!
Contrariando todo o pessimismo e encantando nossos sentimentos de mocinhas deslumbradas, ele apareceu.
E cantou e cantou e cantou!
E foi sublime!
Foi uma noite de sonho!
Inesquecível!
Mesmo agora, quase meio século depois, a lembrança traz alento e alegria.
Mas o show chegou ao fim.
Nosso cantor se despediu e saiu, deixando-nos cheias de enlevo e gratidão.
A Mariana cochichou que íamos ficar esperando pelo Roberto, paradas, na entrada do circo, pois ele teria de voltar pra buscar o cachê. Alguém tinha comentado com ela que o Roberto tinha sido contratado com porcentagem extra, de acordo com o público pagante. Portanto, ele teria de buscar o resultado do fechamento do caixa.
Por volta de meia-noite, ainda nos encontrávamos na entrada do circo, comentando o encantamento do espetáculo que ele nos proporcionou, cantando todas as músicas que conhecíamos e sabíamos. Éramos uma turma de pouco mais de dez pessoas, aguardando, em dúvida, se nosso palpite se concretizaria.
Então, ele apareceu!
Inacreditável estar de frente com o famoso cantor, nosso ídolo maior naqueles tempos de iê iê iê.
Lembro-me que eu só olhava.
Não tive coragem de fazer perguntas, ou comentários... Só sacudi a cabeça - afirmativa e enfaticamente - quando ele perguntou “gostaram do show?”
Estava embasbacada!
A Mariana conversava, contava, perguntava, respondia às perguntas que ele fazia sobre nossa cidade... e teve a presença de providenciar nossos autógrafos, em pedaços de papel que ela levou de casa.
Mais tarde, na minha cama, lembro-me de demorar muito pra fechar os olhos, com medo de entregar-me ao sono e acordar, no dia seguinte, sem aquela sensação mágica que tomava conta de mim.
Na escola, na hora do recreio, o papelzinho com a assinatura do rei fez tanto sucesso que sumiu...
Por mais duas vezes tive a chance de ver o Roberto assim, bem de perto.
Também em Taguatinga.
Cantando, no Clube dos 200. 
No Ginásio de Esportes, onde só fui uma vez, ele era só um ponto brilhante lá longe. 

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