Há quase 40 anos,
às quartas-feiras, em volta do que sobrou do Clube dos 200, em Taguatinga,
acontece uma feira. Amo feiras, empolga-me o burburinho e o colorido delas.
Lembro-me da
primeira vez que vi a dona Alexandrina, perto da sua caminhonete. Ela estava em
pé, atendendo freguês. O carro, com a porta traseira da carroceria arriada,
mostrava uma explosão de verde, vinda de grande quantidade de milho verde
exposto pra venda. Como contraste, num vestido florido colorido, ela
gesticulava.
Lembro-me de ficar
impactada com a bela figura dessa senhora alta e sacudida (termo que aprendi
com a minha nona, usado por ela em referência a cada gordinha que conhecia).
Essa senhora que me chamou a atenção, gesticulando, enquanto falava, deixou em
mim a impressão de ser bem carismática. Tudo isso percebi enquanto passava de
carro, indo para a rua à esquerda, onde fica a casa dos meus pais, na QSB 13.
Em 1982, quando, de
acordo com as estatísticas, os moradores da zona rural fugiam pras cidades, o
marido, os quatro filhos e eu fizemos o trajeto inverso; e fomos morar na roça,
no Núcleo Rural Monjolo.
Uns bons meses
depois, num sábado à tarde, uma vizinha, dona de chácara no mesmo núcleo rural,
chegou a minha casa, trazendo, pra mim, alguns produtos que cultivava: milho
verde e café (este, já processado e pronto para consumo). Convidou-me para
almoçar na chácara dela. Disse-me que iria comemorar, no domingo, o seu
aniversário. E acrescentou que queria a presença da minha família lá. Contou-me
que morava no Lago Sul, com o Santana, seu marido. E que ele não gostava de
roça. Enquanto que ela adorava e, se pudesse, moraria na dela... Era uma alegria
ouvir aquela senhora de gestos expansivos, de voz agradável, de sorriso
contagiante.
No domingo, depois
de um almoço delicioso, com lasanha; arroz branco; feijão com pertences de
porco; pernil assado; maionese; salada verde; sobremesas e companhias
agradáveis ouvi dona Alexandrina contando que costumava vender, na feira da
QSB, lá em Taguatinga, os produtos colhidos na sua chácara. Riu muito quando
lhe contei que a havia visto, numa quarta-feira, enquanto eu ainda morava em
Taguatinga... E acrescentei, com detalhes, a minha impressão, atraída por pela
sua figura colorida.
Essa senhora que,
aos sábados, costumava passar pela minha chácara, dirigindo sua caminhonete,
começou a aparecer com motorista. Não descia do carro mais. Não entrava para
comer meus quitutes. E suas visitas ficaram mais e mais esparsas.
Teve um dia que ela
enviou o caseiro da chácara, com um convite, para que meu marido e eu fôssemos
visitá-la, à noite. Era um sábado. Seu Santana, debilitado, tinha sofrido uns
revezes e eles estavam passando uns dias ali, em busca de repouso. Passados uns
meses, ele faleceu. E a senhora que aprendi a amar voltou a aparecer com mais
frequência. Porque ela e meu marido tinham umas combinações de uso de
equipamentos e troca de horas de trator... E sempre conversávamos. Com ela,
sempre aprendi alguma coisa boa.
Quando minha vida
virou de pernas para o ar, foi ela quem me deu consolo e conselhos pés no chão.
Sempre me convidava
para ir à casa dela, no Lago. Dizia que eu fosse almoçar lá, em qualquer
sábado. Porque, aos sábados, a casa era aberta e ela fazia almoço para quem
quisesse aparecer. Nunca fui. Nunca me deu vontade. Porque sabia que não teria
a atenção dela só pra mim, do jeito que costumava ser na minha casa...
Só soube de sua
morte muito depois do acontecido.
Tive momentos
especiais com essa pessoa querida que soube me cativar. Sei que recebi muito
mais do que dei. Acho que minha acolhida a afagava. Sei bem que ela percebia
que era querida e que eu a olhava com olhos de gratidão. Suas histórias, seus
conselhos, sua atenção e carinho me ampararam. Mas, confesso, detestava seu
perfume adocicado, que impregnava meu cérebro e atacava minhas alergias. Assim,
à distância, sabendo que não a verei mais, sinto saudade de cada detalhe.
Deus a tem!
Percebo-a cuidando de um pedacinho do céu, onde planta e colhe estrelas que
distribui no firmamento...
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