No interior do estado de São Paulo, em Batatais, um casarão repleto de lembranças abriga somente duas pessoas: uma filha, de nome Edna, e a mãe dela. A Edna já tem 84 anos e, por ter enviuvado cedo, voltou a morar com a mãe, pra cuidar dela. A mãe da Edna é a Vovozinha que emociona, pois é exemplo vivo de perseverança e amor pela vida. Ela já tem completos 106 anos!
Como sei sobre elas?
Moro longe há 46 anos e, quando ligo pra minha cidade natal, pra falar com parentes que ainda se encontram por lá, às vezes ouço, ao fundo, o som dos sinos da minha infância. Sinos da Igreja de Nossa Senhora Sant’Ana.
Nesse dia 8 de fevereiro de 2010, eram dez horas da noite quando liguei pra Diomar, que tinha acabado de entrar em casa; tinha ido a uma cidade próxima chamada Batatais, a cidade onde moram a Vovozinha e sua filha.
Foi assim que fiquei sabendo das duas.
Enquanto conversávamos, acompanhei as dez badaladas do sino, como se ouvisse a trilha sonora do filme que me reporta à minha infância feliz.
Sinto-me atraída por casos que envolvem antepassados, além dos que fazem ligação com o que vivi antes de vir pro Distrito Federal escrever uma história bastante desarticulada da anteriormente prevista. E a Diomar sabe da minha atração. Sempre que nos comunicamos, ela dá notícia de algum conhecido, ou parente, que tinha ficado perdido no passado. Ela gosta e, melhor ainda, demonstra que gosta, muito mesmo, de gente.
A Diomar contou que a Ana, a irmã mais nova, vai ter de passar por cirurgia, por ter rompido um tendão no ombro.
Também a Diomar passou por uma cirurgia dessas há uns dois anos, só que o tendão que rompeu foi o do calcanhar esquerdo, e ela foi operada e ficou boa. Portanto, tirando as dores e o mal estar por ficar com as atividades restritas, o problema da Ana não é dos piores. Foi por causa dele que as duas estiveram em Batatais: o médico renomado atende lá. Saíram de Ipuã por volta de uma da tarde. Não me ative muito à história da Ana. Menos por desinteresse, mais porque a Diomar estava eufórica demais pra contar que, além da consulta, resolveram fazer uma visita a uns parentes que lá residiam, mesmo sem saber se os iriam encontrar. Aí, descobriram uma prima com 106 anos de vida!
_ A filha da tia Carolina, a quem a gente chamava de tia Carlota, está com 106 anos e é mesmo que ver a Nona Rosa, disse a Diomar. Não anda mais, passa a maior parte do tempo dormindo, carinha de gente bem cuidada. É tranquila, precisa ver! E lúcida! Principalmente, quando é pra contar coisas do tempo antigo. Precisa ver! A filha Edna que cuida dela! E a filha tem 84 anos!
A Nona Rosa era avó do meu pai e da Diomar e de mais uns sessenta netos. Ela teve duas irmãs: a Carolina e a Deia. Todas já se foram, claro. A Nona Rosa era de 7 de agosto de 1870 e era a do meio. A Diomar contou que, na época da primeira visita que fez à família, junto com a mãe e a avó, as duas irmãs da Nona Rosa eram vivas. E que a tia Carlota tinha se casado com um moço de sobrenome Venturoso e tinham uma pensão, lá mesmo, em Batatais. E que bons ventos sopraram por aqueles lados. Tanto que eles chegaram a abrir filial em Uberlândia, no vizinho estado de Minas Gerais. A Vovozinha é a filha caçula do casal Venturoso. Ela e a filha Edna moram no casarão que, antigamente, era pensão.
_ Quando estava com dezessete anos, estive na casa delas pela primeira vez. Em sessenta e três anos, estive na casa delas três vezes. Na primeira vez, fui com a minha mãe e a minha avó, sua Nona. Enquanto a Diomar fala, eu projeto, na minha mente, a carinha dela, sempre exibindo um sorriso luminoso e constante. É marca registrada dela...
Hoje, a Diomar tem 80 anos; completados no dia 19 de novembro de 2009. Por ter ido a Batatais apenas três vezes, mais surpreendida ela ficava, a cada nova ida. Distâncias são empecilhos que prejudicam o estar junto, no concreto, mas que ensinam a valorizar os escassos momentos de convivência real... A Diomar continuava:
_ Na segunda visita, fui junto com a Ana, já estávamos casadas, e contratamos um motorista pra levar a gente. A gente nem tinha carro ainda. A Ana duvidava que eu achava a casa e eu achei de primeira!
Nessa segunda visita, mais de quinze anos depois, quando achou que era o lugar, pediu pro motorista parar o carro. Desceu e abordou duas senhoras que se encontravam conversando, do lado de fora da casa, na calçada. Eram duas primas que não negavam o parentesco, por conta da semelhança:
_ Eu sou neta da sua tia Rosinha, disse-lhes a Diomar.
Na ocasião dessa segunda visita, as três irmãs, Rosa, Carolina e Deia já eram falecidas. E as primas ficaram um tempão falando sobre os próprios destinos e compartilhando os sobressaltos, o medo, os desatinos e a saudade dos que se foram, de quem herdaram a fé na vida.
Foi um telefonema de muitos minutos. Eu mais ouvi que falei e senti meu coração em estado de graça. Foi como dar as mãos a todas as boas lembranças, numa gostosa volta a um tempo que não era o meu, transcendendo um momento que se estende, pra frente e pra trás, agarrada aos elos de uma corrente forte que se chama VIDA e que carece de emoção para significar!
Brasília, 9 de fevereiro de 2010
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